Londres, 1830.
Mais uma madrugada levando bêbados para suas casas.
Óbvio que quando sai do orfanato não sonhava com um futuro assim, entretanto consegui chegar muito além de minhas expectativas. Nas noites enquanto vagava procurando por passageiros ficava pensando na vida...o bebê abandonado na santa casa, sem ninguém que o ajudasse, teve muita sorte em ser levado por um pároco para um orfanato em Londres... isso todos diziam. Podiam até ter razão, mas não tive uma infância dos sonhos: trabalhei cada dia para merecer o prato de comida e rezei cada noite como se os pecados do mundo fossem meus. A madre Caridade dizia que eu era um pecador. Se ela dizia eu acreditava, aliás, quem eu era para desacreditar alguém?Estacionei minha carruagem de aluguel em frente ao Dunn, um bar bem conhecido dos jovens aristocratas e um pouco fora de mão para seus pais ricos localizarem seus herdeiros na noite. Por ali sempre tinha alguém querendo levar a conquista da vez para uma estalagem ou alguém querendo fugir de uma briga o mais rápido possível. Agora, sempre havia na porta do bar um bêbado desorientado precisando de auxílio, era o passageiro mais certo e fiel desde que consegui juntar as moedas necessárias como ajudante de um velho visconde para comprar a carruagem.
Nem precisei esperar muito para visualizar mais um. Sentado nas próprias botas estava um rapaz tão jovem como eu, de aparecia fina e com uma garrafa nas mãos. Desci da carruagem e me aproximei.
- Boa noite, senhor. Gostaria de uma ajuda para voltar para casa?
O rapaz demorou para encontrar de onde vinha a minha voz. Reparei que aquele já havia colocado tudo para fora pelo cheiro que exalava. Teria que limpar os bancos após deixá-lo em casa.
- Quer ajuda, senhor? - Insisti pela falta de resposta dele.
- Acho que não... Willian não queria me vender outra garrafa, nem bebi muito hoje... onde estou?
- Na frente do Dunn, senhor, mas pelo horário acredito que já deva estar no horário de fechar.
- Aquele calhorda não sabe quem sou!
O rapaz começou a procurar por algo nos bolsos. Esperei um pouco para ver se deveria oferecer ajuda novamente ou ir procurar por outro freguês, ainda não era tão tarde e poderia encontrar mais uns três como aquele.
- Quem é o senhor? - Perguntou ele ainda procurando algo.
- Sr. Adam, guia de carruagem de aluguel, ao seu dispor.
- Será que estou tão bêbado ao ponto de não lembrar de ter lhe chamado?
- Pois não chamou, senhor, notei que precisava de ajuda e vim ao seu auxílio.
- Então estou tão bêbado que chamei sua atenção na rua. Provavelmente Willian estava certo.
O jovem finalmente desistiu de procurar. Levantou-se do chão com dificuldade deixando a garrafa cair, assustou com o barulho e quase caiu novamente. Segurei seu braço para ajudar no equilíbrio.
- É... realmente preciso ir embora...
- Por aqui, senhor.
Ajudei o homem a entrar. Notei que além de bêbado ele já havia levado uma pela surra de alguém. Rezei em silêncio para não ser por dividas. Caloteiros nunca pagavam a corrida.
Meia hora mais tarde estava colocando o sujeito na cama com a ajuda de uma governanta. A mulher se retirou me deixando sozinho com ele. Pensei em sair dali e esperar por ela para pedir meu pagamento, porém o homem recobrou o sentido.
- Como disse que se chamava mesmo?
- Sr. Adam, ao seu dispor - repeti.
- O guia da carruagem de aluguel.
- Exato, senhor. A corrida ficou somente cinco moedas. É mais caro pelo horário.
O rapaz não reclamou como muitos pelo preço acima da média. Mexeu na primeira gaveta que encontrou e deu-me o dobro do que pedi. Coloquei no bolso do paletó antes que o mesmo percebesse o erro. Quando comecei a despedir-me o homem me segurou pelos braços olhando fixamente no meu rosto. Pensei em empurrá-lo, mas suas explicações foram mais rápidas.
- Sabe... nunca na minha vida vi alguém tão parecido comigo. É tão assustador ou devo estar sofrendo de uma alucinação severa.
- Não entendi, senhor?
- Olhei o senhor mesmo... somos quase a mesma pessoa.
Ele empurrou me para o espelho do toucador. Inicialmente não nos achei nada parecidos: ele usava roupas finas, cabelos bem cortados, barba bem aparada. Eu pelo contrário usava trajes velhos de segunda mão, barba longa e cabelos amarrados na altura dos ombros. Num segundo momento entendi o que ele queria dizer apesar de não ter notado pelo machucados em seu rosto: nossos olhos tinham a mesma cor e formato, a boca ligeiramente maior na parte inferior também era visível nos dois, as sobrancelhas tinham o mesmo arco estranho. Virei e olhei diretamente para ele e vi que eu era maior e um pouco mais musculoso, mas acreditava que isso vinha da minha vida de trabalho. Aquele rapaz não tinha cara de ter trabalhado um único dia na vida, nem mãos, eram lisas como de um bebê.
- Entendeu o que eu disse? O senhor parece um parente meu. Não, você parece ser um irmão meu. Não me assusta o fato de Judith não ter voltado até agora. A senhora viu o mesmo que eu.
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O primeiro texto que posto aqui.
Não sei bem se estou fazendo certo.
Ajuda e comentários são bem-vindos.
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A solução do duque
RomanceO que fazer quando um estranho lhe oferece a oportunidade de saber quem você é? Um guia de carruagem na Londres do século XIX tem seu mundo invadido pelo filho do poderoso duque Wycliff. A semelhança entre ambos será o suficiente para trocarem de lu...