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   Camila tinha o costume de pintar paisagens fantasiosas, como cogumelos com portinhas e armaduras de casca de árvores, sua cabana era lotada de quadros e plantas secas, como ervas e flores, suas mãos viviam manchadas de todas as cores possíveis e, neste fim de tarde, as manchas em suas mãos e roupas eram azuis. O quadro das luzes azuis da floresta era sua obra favorita naquele momento, faltava apenas alguns toques finais e logo já poderia arrumar um lugar especial para pendurá-lo. A lenda, a qual afirmava veementemente ser real e já ter presenciado quando pequena, era sua predileta em meio a tantas outras que rondavam a floresta.

- Perfeito! - murmurou sorridente, admirando sua pintura. - só mais um.. - continuou com os mínimos detalhes enquanto mordia levemente a língua e, então, se afastou em um salto, tirando os pequenos fios de cabelo que fugiam da bandana vermelha.

Seu maior desejo era ver aqueles pontos brilhantes novamente, os vultos azulados aos quais sonhava repentinamente nestes últimos dias, a deixando ainda mais confusa e curiosa sobre eles. Não podia negar que, em algumas dessas noites, levantou apenas de pijama e pantufas, com os cabelos bagunçados e a visão embaçada e saiu porta a fora, para ter certeza se estavam aguardando-a na escuridão.

⊱⋅ ──🐺── ⋅⊰

Na mesma noite, Camila teve o mesmo sonho com as luzes e, como todas as outras vezes, se levantou e andou até a porta; estava desanimada e quase se chamando de idiota por fazer isso dias a fio porém, quando abriu a porta, espantou-se e quase soltou um grito. Elas estavam ali, a esperando.

Camila correu, correu tão rápido que algumas vezes tropeçava nos próprios pés ou nas raízes das árvores, ela precisava alcançá-los, precisava vê-los de perto e, mesmo sabendo que eles sumiram tão rápido quanto apareciam, não largou a ideia de chegar o mais perto possível.

Após quase perder uma de suas pantufas e ganhar algumas folhas no cabelo, se acalmou um pouco enquanto sentia o coração palpitar descontroladamente, seus instintos gritavam para ter cuidado enquanto se aproximava das luzes flutuantes. A cada passo que dava, uma luz desaparecia e, quando finalmente viu vários juntos, rodeando uma criatura negra de olhos cruéis, quase se amaldiçoou.

Seu corpo travou enquanto se encaravam, Camila sentia toda sua carne tremer e um nó se formar em sua garganta. Aos poucos, foi dando passos para trás mas, infelizmente, as luzes decidiram desaparecer e a criatura não perdeu tempo em avançar, mostrando sua boca lotada de dentes pontiagudos.

Um grito de desespero escapou de seus lábios e a criatura se assustou, se afastando. Camila tentou correr todavia tropeçou nas raízes das árvores e, em segundos, a boca cheia de dentes do animal estava a centímetros de seu rosto. Seu sangue gelou e lágrimas começaram a escorrer de seu rosto.

O animal, a qual percebeu ser um lobo, a cheirou e sentou, escondendo os dentes pontiagudos enquanto a observava.

A respiração desregulada e o rosto coberto por lágrimas, seu corpo tremia e seu choro era alto demais, ecoando por boa parte da floresta, o lobo continuava sentado em sua frente, quieto e com a cabeça inclinada, como se estivesse curioso com a situação, com o espanto da garota.

Camila poderia ficar parada ali a noite inteira se o lobo não tentasse se aproximar novamente, porém o animal não estava muito disposto a esperar ou a ir embora, mais uma tentativa foi feita e Camila se arrastou pelo chão, até suas costas baterem em uma árvore, os passos lentos do lobo eram agoniantes, como se a morte estivesse brincando com ela, enrolando e a torturando antes de finalmente lhe dar o desprezível destino.

Com os olhos fechados, os passos no animal cessaram, Camila conseguia sentir o lobo próximo de si e sabia que este a estava cheirando, a respiração dele batia em seu rosto e pescoço, logo o ouviu resmungar e choramingar, nada de latidos ou rosnados. Camila abriu um olho de cada vez e conferiu se a boca do animal não estava ensanguentada ou se mostrava os dentes, se empurrou ainda mais contra a árvore como se de algum jeito fosse conseguir entrar nela.

O lobo sentou e aproximou seu rosto ao da garota, lambendo suas lágrimas antes de por fim se afastar um pouco, aguardando e observando quando ela ergueu as mãos trêmulas e limpou as bochechas, se livrando de qualquer vestígio do animal. Sua respiração foi se acalmando aos poucos conforme as lágrimas paravam de escorrer.

- Em que.. em que momento vai tentar me matar? - Sussurrou, quase não reconheceu a voz carregada de medo e trêmula. Achou que perderia a voz diante da criatura e não negaria ou se envergonharia se alguém a perguntasse sobre isso caso conseguisse fugir.

Os olhos escuros no animal se fecharam por alguns segundos enquanto, aparentemente, ele respirava fundo. Como se a entendesse, compreendesse cada palavra e reação. Por fim, ele deitou, a encarando.

- Se não quer me matar, então me deixe ir. - voltou a sussurrar e lágrimas se acumularam em suas olhos. O lobo resmungou em resposta. - vai embora. Por favor. - choramingou.

E então, a criatura se foi.

Caminhou lentamente para a escuridão da floresta enquanto Camila aguardava ansiosamente uma distância segura e, quando o lobo desapareceu, ela correu de volta para a cabana.

⊱⋅ ──🐺── ⋅⊰

Talvez sentar no chão e chorar ou pintar um lobo metros maior que uma garotinha medrosa não fosse uma reação muito boa, assim como se julgar por não reagir ou não levar seu canivete quando saiu também não iria resolver muita coisa, já havia acontecido e não tinha como mudar o passado.

Já passava do meio-dia quando Camila finalmente resolveu sair da cama e comer, refletindo sobre o que aconteceu e o porquê dos fogos-fátuos a levaram até aquele monstro. Até onde sabia sobre as lendas, as luzes guiavam pessoas até seus destinos ou maldições. Agora restava saber o motivo pelo qual a queriam morta e o motivo pelo qual o lobo não a devorou.

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