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Quando amanheceu, Camila podia jurar que sua cabeça iria estourar e mesmo com meia dúzia de remédios, não parava de latejar. Mal conseguia se olhar no espelho quando foi fazer sua higiene matinal e ignorou a maquiagem que poderia cobrir sua aparência deplorável, assim como ignorou o ninho que estava sua cabelo, apenas o prendendo em um rabo de cavalo antes de ir para a cozinha, cortando pequenos pedaços de carne, o cheiro fazia seu estômago fraco embrulhar.

Seus olhos vagavam na loba ainda dormindo enquanto forçava a beber ao menos um pouco de suco e beliscar algumas amoras, tentando enganar o estômago. Não estava com fome, não estava com energia para se forçar a comer ou reagir a qualquer outra coisa que não envolvesse a loba.

- Ei, garota, bom dia. - sussurrou, se ajoelhando com calma ao lado do animal e a dando um pequeno sorriso. Camila pôs o prato com carne em sua frente, oferecendo um pedaço em sua mão e a loba aceitou, a fazendo comemorar por dentro, mesmo quando a loba mastigou devagar ou se negou no quinto pedaço. Já era uma vitória. Uma pequena vitória.

Camila passou a manhã e quase a tarde inteira no mesmo lugar, sentada ao lado da loba, saindo apenas para tentar a fazer comer ou ir ao banheiro. Quando a loba levantou, a garota seguiu mesmo que odiasse a ideia de ir para a campina novamente, ainda mais naquele estado e, quando a loba sentou e observou a floresta até o anoitecer, esperando as luzes, Camila não teve ousadia de a tirar do lugar, nem implorar para que voltasse, apenas esperou que esta o fizesse por conta própria.

As luzes apareceram e, mesmo com o latido doente e fraco da loba, ignoraram. Ignoraram seu olhar de súplica. Seus choramingos. Camila queria amaldiçoar os espíritos, mesmo sabendo que eles mesmo davam maldições, todavia como podiam não se importar com alguém com dor? Que clamava por eles, chamava por eles. Aguardava por eles todas as noites, mesmo naquele estado tão crítico.

Camila ponderou arrasta a loba ou convencê-la a entrar novamente em casa, todavia ela estava demasiada concentrada e exigindo atenção, o mínimo que fosse, até às luzes por fim se irem e não ter mais nada além da sombria floresta sob a quase inexistente luz da lua. A humana não a apressou, nem quando a loba parava no meio do caminho para olhar a floresta novamente, os olhares vagando até onde Camila não conseguia enxergar, por fim entraram. Camila devia isso a ela.

- Que tal trocarmos seu curativo, uh? - informou, tentando esconder a tristeza em sua voz e chamando a loba para sua cama, onde a ajudou a subir com cuidado, colocando a mão em suas patas traseiras para que está pudesse se impulsionar. - Vai dormir comigo hoje. - piscou, abrindo um pequeno sorriso. É claro que a loba, no meio da noite, sempre subia em sua cama e fazer isto ser uma novidade parecia uma piada. Afinal, Camila sabia que mesmo machucada, a loba daria seu jeito se ir se deitar com ela.

A criatura observava cada movimento que Camila fazia, até quando se aproximou e a colocou de pé em sua cama, tirando as faixas antigas para pôr as novas. Mesmo entre resmungos e choramingos enquanto Camila passava remédio em seus ferimentos, uma pomada de ervas que havia aprendido com sua avó paterna desde pequena que dizia curar qualquer coisa. O cheiro não era agradável e a textura era espessa, o que quase a fez derreter de preocupação em ter feito algo de errado com a receita e acabar piorando os ferimentos.

- Assim está bom, eu acho. - mordeu o lábio inferior, limpando os dedos cheios de pomada antes de colocar a faixa na loba, que espirrou após sentir o cheiro do creme verde em seus pelos negros. - Prontinho. - sorriu, deixando as coisas ao lado de sua cama antes de se deitar com a loba, a cobrindo com suas cobertas.

Era óbvio, não tinha como não ser, que Camila iria passar a noite toda sem pregar os olhos novamente, nem para cochilar ou tentar diminuir sua dor de cabeça, seus olhos não saiam da loba em seus braços por nada, nem quando o vento bateu na janela com força ou cantou até amanhecer, nem quando as estrelas foram embora para dar lugar aos raios de sol e muito menos quando a loba acordou no meio da madrugada para observá-la também.

Se Camila soubesse, ao menos se conseguisse ver através daqueles olhos esverdeados, a aflição e dúvidas que a percorriam, o medo que crescia em seu peito dilacerado com a chegada da lua cheia. Estava perto. Perto demais. O que faria na noite seguinte? Machucada e transformada?

Will-o'-Wisp | Camren Onde histórias criam vida. Descubra agora