"Mikhail"

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Reconheço logo de cara, o quão sem graça será essa experiência - tanto para mim quando quem pegou para lê-la.

Esse livro é um resumo de minha vida, ou pelo menos a parte importante (ou seja, de jovem até atualmente). Lembro então que citarei muitos nomes conhecidos, e, mesmo assim, sempre escreverei como se fosse um livro a ser publicado, mesmo que isso não aconteça.


Minha vida provavelmente começou a ser interessante quando completei treze. Nesse ano, minha mãe faleceu e só sobrara eu e Mikhail - me irmão - em um orfanato.

"Vai ficar tudo bem" era o que dizia ao meu irmão quando íamos dormir, apesar de eu mesmo não acreditar nisso.

Lembro de um dia em específico, não havíamos comido direito. Podia ouvir de longe a barriga de meu irmão roncando, "Estou com fome" disse baixinho, "Será que esqueceram de nós? Não vão nos alimentar?"

"Acho que eles não se importam."

"Não faz sentido. Eles no deixam aqui e se esquecem de nós?"

É, isso era injusto, mas foi assim que funcionavam as coisas.

"Vou ver se consigo algo para nós" eu disse tentando dar uma esperança a meu irmão.

Lembro que nossa cama era dura, e mal cabiam nós dois. Geralmente, Mikhail dormia em cima de mim até pegar num sono e eu sair da cama. Dormir nunca foi meu forte, nunca me senti completamente seguro ao ponto de baixar a guarda.

Era comum de eu andar pelo orfanato de noite, tentando encontrar algo para me distrair nas madrugadas silenciosas de Paris.

O refeitório, que mais parecia um cativeiro, ficava uma bagunça. Não liguei muito, afinal, já estava acostumado com isso. Ali nós rezavamos na esperança de conseguir uma boa família, que seja amorosa e feliz; irônico.

Lembro que nesse dia em específico, meu irmão foi atrás de mim, ainda sonolento.

"Eu não quero ficar sozinho" me disse enquanto coçava os olhos semicerrados.

Por mais que eu não quisesse, levei-o comigo por medo de manda-lo voltar, ele esbarrar com alguém.

Quando chegamos na cozinha, Mikhail logo correu para os armários, na busca de algo para comer. Haviam alguns biscoitos perdidos lá dentro, talvez estivessem murchos e velhos, mas era tudo o que tínhamos.

"Você quer um?" perguntou me oferecendo um pedaço meio empoeirado.

Neguei e o deixei comer tudo, não me faria falta.

No meio do processo, ele derrubou algum prato dentro dos armários, que quebrou e o machucou.

"Minha mão" disse choroso "E eu baguncei tudo."

"Não há problema, aqui já estava uma bagunça mesmo."

"Hihi, é verdade."

Nós dois saímos o mais rápido que pudemos, enquanto fomos à enfermaria tentando achar algo para disfarçar o machucado.

Quando achei algo que poderia diminuir o sangramento, me virei para trás e não achei meu irmão.

Onde ele estava?, me perguntei.

Quando olho novamente para onde ele estava, havia um homem - ou uma mulher - segurando-o no colo.

"O que uma criança como você está fazendo em um lugar como esse?"

"Estamos esperando a mamãe nos buscar. Ela estava dormindo muito profundamente, então meu irmão nós trouxe pra cá."

A pessoa olhou para mim, esperando a minha confirmação. Não falei nada, um medo havia surgido em mim ao olhar para essa figura.

Assinado, VanitasOnde histórias criam vida. Descubra agora