Capitulo 7 - Eden

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VII

"Então, ele soltou uma pomba para encontrar alguma terra. Porém, a ave nunca retornou"

Meu corpo estava dolorido e era incapaz de resistir a força da pessoa que puxava as correntes que me prendiam. O som da voz dos dois indivíduos parecia, para meus ouvidos feridos, um zumbido confuso, que produzia em minha mente, junto a curvatura do corredor escuro em que estávamos, o efeito de rotação. Suas vozes pareciam o ronco de um motor, e combinando com os passos de seus pés metálicos, sentia-me sendo arrastada por uma fábrica caótica como na Revolução Industrial eras atrás. Mas isso pouco durou porque, após o desaparecer da figura mais alta, nada mais ouvi. O gélido chão rígido parecia ser feito de concreto, e feria meu braço direito pouco a pouco, pois ele estava sofrendo todo o atrito enquanto eu era arrastada.

Minha mente ia se clareando pouco a pouco, junto ao crescer de uma fraca luz azul no fim do corredor. Ao longe, meus tímpanos captavam um som de combate... Era assustador apenas de ouvir. Gritos que lembravam o ronco metálico das vozes daqueles que me puxavam, junto a estrondos, metal sendo destruindo e tiros. O último sentido em que eu podia confiar de fato era a visão. Porém, preferia que também houvessem-me tirado, pois assim não veria a carnificina em minha frente.

Haviam corpos de seres mais brancos do que o papel, ou das nuvens que um dia já flutuaram pelo céu. Eram pálidos, e com a morte parece que estava ficando ainda mais. Suas veias ficavam cada vez mais aparentes. Eram finos, mas tinham braços e pernas anormalmente grossos e desproporcionais. As partes de metal negro em seu corpo os deixava ainda mais assustadores. No centro de todo esse círculo de morte, um homem de trajes negros se erguia imponente no meio dos cadáveres, e seu corpo cheio de sangue mostrava que era o autor daquelas mortes. Ele olhou em minha direção por cima de seu ombro. Sua íris refletia um ódio profundo, um desespero em trazer a morte, um monstro de verdade que fazia com que as anomalias ao seu redor tornassem-se apenas vítimas de sua vontade. O sangue carmesim pingava de suas mãos e de seu sobretudo, e a respiração que saia de seus lábios contorcidos exalava o vapor de sua revolta interna. Ele passou a olhar em minha direção, até que o ser que me segurava disparou contra ele, mas não foi rápido o bastante. Quando o raivoso iria contra atacar, foi atacado pela figura maior. O desenrolar do combate deles destruiu a sala, mas o homem, se posso chama-lo assim, ainda permanecia firme.

Os sons de golpes e destruição faziam minha cabeça, já afetada, confundir-se a ainda mais. Foi em meio a toda aquele caos e os gritos que pareciam de uma fera raivosa, que uma poeira densa que escondia até o que estava em minha frente se levantou. Então, vi um forte brilho azul e a silhueta de um ser de médio porte sendo jogado para poucos metros a minha frente, e depois um rastro da mesma coloração da luz que me pareceram vir dos olhos do ser furioso perseguiu aquele que foi jogado, seguido de um barulho de metal se partindo. Gritos, gritos de horror e dor que imploravam pela piedade de seu algoz se espalharam pela sala. Gotas do que parecia sangue, mas escuro como óleo de maquinário voavam ao ar junto aos pedidos de piedade jogados ao céus. Foi assim que uma das gotas do líquido tocou em minha pele. Sentir aquela pequena gota negra cair em mim e se espalhar em mais micro gotas, que repetiam o ciclo até que fosse algo imperceptível, fez-me perceber finalmente em meio aos devaneios que eu estava de fato viva. A lucidez veio acompanhada de um arrepio, um calafrio de puro horror ao me ver em meio a toda aquela destruição e morte como um estalo. Meu subconsciente em um esforço tenaz para me convencer que aquilo não era real causou uma agonia em meu estômago.

Ao baixar da névoa de sujeira, vi o homem arrancando as entranhas do ser metálico que segurava minha corrente. O enorme monstro com carapaça de escorpião olhava totalmente em choque, enquanto o homem andava se contorcendo como se estivesse sob influência de alguma substância. Assim os olhos carmesim do monstro metálico se encheram de fúria, e o confronto se iniciou em uma velocidade tão absurda, que meus olhos não conseguiram acompanhar. Apenas vi quando o homem caiu em minha frente e finalmente nossos olhos se encontraram. Sua pupila estava minúscula, como se o foco no combate fosse tão grande que sua visão limitava-se apenas aquele pequeno alvo. Havia uma região em forma de um círculo menor que estava mais escura em sua íris. Junto com as sombras sobre seu rosto, esbanjava algo vazio... Uma alma que apenas continha fúria, que foi pouco a pouco se esvaindo enquanto olhava para mim, restando apenas uma expressão tristonha que enfatizava o vácuo em si. Vi seu rosto se alterar lentamente, como se tivesse tomado um susto até um olhar melancólico. Naquele momento, finalmente notei que tratava-se de Davi, antes desfigurado por nossas mentes abaladas.

Exiled: The Sound Of Memory Onde histórias criam vida. Descubra agora