VIII
"Quando o homem ingeriu o fruto do conhecimento, ele definiu irreversivelmente seu destino"
Aquela garota olhava para mim com um olhar doce, como se fôssemos amigas de longa data. Ela andou até mim dando passos com dificuldade, mas logo parou em minha frente. Seus olhos negros penetravam minha alma e seu sorriso era tão amedrontador quanto os globos oculares obscuros. Sua silhueta, que remetia à estética de um esboço, agora não existia mais, na verdade, em volta de seu corpo havia apenas um ar obscuro. Há poucos sinais de semelhança entre a visão que tive dela segundos atrás para sua aparência agora, mas seu rosto e vestes provam sua identidade. Ela passou a andar até mim, enquanto seu corpo era abraçado pelas sombras como uma mãe abraça um filho recém-nascido. A única iluminação do local era a dos monitores atrás de mim. Engoli em seco e certamente não consegui esconder o medo em meu olhar. Ela estava lá, oculta quase que por completo, com apenas sua mão para fora, a qual estendia para mim. Sua presença era assustadora, e se misturando com a escuridão, seu pequeno corpo parecia bem maior. Agarrei um pedaço de metal velho que havia ao lado do computador e me preparei para me defender. Por mais que minhas mãos trêmulas mostrassem minha incapacidade.
Repentinamente, todas as enormes telas atrás de mim se apagaram. Pude ver que a iluminação esverdeada externa da sala que me encontrava, também se apagou. Assim, todo local foi mergulhado em um profundo breu. Comecei a suar frio e com um movimento ágil, saquei a lanterna e iluminei o último ponto que a havia visto. Não vi um único sinal de sua presença. Nem mesmo a poeira no chão revelava suas pegadas. Movi o rastro de luz por todos os cantos da pequena sala, mas não havia nada. Eu estava sozinha. Porém, eu tinha certeza que aquilo foi real. Os corpos daquelas pessoas lá fora eram prova disso, mas algo me fazia gelar a espinha apenas de pensar: sua aparência. Anteriormente, aquela garota quase que não demonstrava sua existência em seu semblante pálido, mas seus olhos agora me causava aflição, o que não acontecia antes. Tinha algo de errado com seja lá quem, ou que, era aquilo. Me virei para as enormes telas, ainda apagadas, e me abaixei começando a procurar o dispositivo a qual aqueles telões estavam conectados. Porém, não a encontrei. Não conseguir fazer aquilo funcionar e a sensação de estar sendo observada, me fez sair daquele local.
A porta se fechou simultaneamente à minha saída. A floresta em minha volta agora não era mais cercada pela névoa, o que possibilitava ver mais além entre os troncos distorcidos. Isso, no entanto, não significava muita coisa, pois a escuridão entre as profundezas da mata ainda era assustadora. A lanterna, por mais que muito efetiva, aliviava de forma alguma meu receio. Na verdade, todo o clima daquela área circular iluminada, sendo cercada pelas sombras, era assustador. Todo o contexto que cercava aquele local e aquela garota misteriosa, agregava ainda mais para que, a qualquer sinal de algo à minha volta, já projetasse meu corpo por completo para iluminar a área. Os corpos daqueles três ainda estavam ali, tentei passar sem olhar para eles. Assim, me vi novamente na estrada de "terra" que percorri anteriormente. O único som ecoado era dos meus passos, e torci para que continuasse assim. O medo me fazia olhar para trás a cada minuto, com o temor de ver aquela figura na pequena elevação que eu deixo para trás enquanto mergulho mais e mais na sala. Por mais que pequeno, o sutil detalhe dos minúsculos espaços entre os troncos parecerem com olhos, agora gerava-me ainda mais medo. E a luz, engolida pelas trevas, erguia imagens tão distorcidas quanto os estranhos caules que me cercavam.
A atmosfera pesada junto ao repentino frio, fez-me tremer perante sua imponência, que agora junto às figuras erguidas do entorno, que recusavam-se a ceder ao brilho que me guiava, esmagavam minha garganta e calavam até meus resmungos. Nisso, andei por todo aquele cenário mais uma vez, porém agora com consciência dos temores aos quais era alheia antes. O local que parecia um reservatório de água seguia o mesmo, mas ao iluminar o líquido lá em baixo, vi que sua cor era preta ao extremo do fosco. A coloração era tão ofuscada, que me senti a encarar um profundo abismo. O trecho seguinte, onde as árvores invadiam a estrada, estava similar à antes. Foi ao passar pelos espaços apertados, que topei em algo curioso: avistei os degraus naturais, na forma de imensas chapas de metal, que davam até a "jaula" feita das troncos distorcidos no ponto que parecia ser o mais baixo do cômodo, e que já visitei em minha outra caminhada, mas em outra parte do "bosque". Desci com cautela, iluminando os galhos que sutilmente iam se abraçando até gerar a cúpula natural.
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Exiled: The Sound Of Memory
Science FictionEm um futuro milênios à frente, onde uma explosão de origem misteriosa devastou grande parte da humanidade e deu luz à um novo mundo, um andarilho encontra uma mulher com a voz capaz de acalmar os corações das maquinas do Novo Mundo. Prometendo prot...