01. Boa História

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O som de metal contra metal ecoando pela casa sempre foi uma constante, não importava se eu tivesse cinco, doze ou, como o presente dessa história, dezenove anos. Alguns até poderiam acreditar que eu fosse filho do deus ferreiro, o grande forjador de armas desde a época das Primeiras Guerras Celestiais — o que não era o caso.

No entanto, meu pai é um deus quase tão velho quanto esse. Claro que ele iria me dar um tapinha na nuca se soubesse que disse isso, mas é verdade: ele é o deus do lado escuro da Lua, Merfiz, irmão gêmeo da deusa do lado cintilante da Lua, Isáris.

Desde sua época de rebeldia na adolescência, que não foi apenas uma fase como minha avó Noxina, deusa da Noite, acreditava ser, ele se interessou pelo mundo mortal e passou a viver nele, construindo diferentes identidades, e aprimorando ao longo dos séculos uma paixão: forjar.

Para a minha sorte, foi assim que ele reencontrou sua amiga de infância, minha mãe, quando ela foi traída por seu próprio sangue e renegada de seu posto como deusa, jogada ao mundo humano.

Bom, essa é uma história já contada. O importante é que Merfiz a encontrou, ajudou-a a retomar seu lugar como deusa do fogo e declararam amor um pelo outro, resultando na peça de interesse do momento: eu.

Sinceramente, eu gostaria de possuir metade da autoconfiança que pareço ter ao narrar minhas próprias peripécias. Teria me ajudado bastante quando mais novo.

Porém, há um motivo para eu dizer "peça de interesse", afinal, sou um dos personagens principais dessa aventura. Aventura essa que começou nesse dia, um dia de rotina, em que meu pai trabalhava em encomendas para algum mortal da vila em que morávamos e eu lia histórias, gesticulando e criando tons diferentes na minha cabeça para quando as narrasse em voz alta.

As histórias eram parte do meu treinamento como deus, e uma vez na semana eu as lia na frente das crianças de diferentes vilas, para manter a memória de nosso panteão viva. Porém, um bater de asa chamou minha atenção.

Uma coruja-de-igreja, em plena luz do dia, se encontrava empoleirada na janela. Entre as garras de uma pata erguida, estava um pergaminho.

— Paaai. — chamei e o barulho agudo vindo da oficina silenciou. Eu nunca garanti que meu jeito escandaloso havia ficado na infância. — Acredito que chegou uma mensagem para você.

— Acredita ou uma das corujas de sua avó apareceu aí?

Eu ri no mesmo instante que Merfiz surgiu na porta, enxugando a tez negra, alguns tons mais escura que minha pele, com um pano. Um rio de tranças caía em suas costas, presas por uma presilha maior, expondo seu semblante cansado, mas sorridente.

— Ei, Attie. — meu pai fez carinho na cabeça da coruja, do jeito de quem conhece todas por nome. E a deusa da Noite tem centenas delas. — Obrigado pela mensagem.

A coruja piou quando o pergaminho foi apanhado e alçou voo para dentro da casa, pousando em meu ombro e passeando o bico gentilmente pelo meu cabelo, como se ajeitasse as penas de uma ave amiga. Retribuí o carinho com as pontas dos dedos.

— Como sempre, temos um favorito por aqui.

— Eu sou o único neto da vovó, tem de haver um preferido masculino. Como há uma preferida feminina minha prima.

Meu pai desenrolou o papel no mesmo ritmo que rolava os olhos, o sorriso de canto nunca deixando seus lábios por completo. Ele limpou a garganta, começando a ler a mensagem:

"Meus caros filho, nora e neto,

Envio este pergaminho para avisá-los da reunião do Festival de Renovação. Será esta noite, quando a lua estiver mais alta no céu, e é de suma importância que os deuses mais jovens e aprendizes dos elementos compareçam. O que significa sem desculpas para faltar, Eldurian.

Renovação de um Para SempreOnde histórias criam vida. Descubra agora