Meus passos estavam falhos. Eu não parei de correr desde o momento em que desci a colina, procurando um meio de voltar mais rápido para casa.
Voltei à vila e busquei por uma fonte de fogo. Em uma das casas no limite da trilha, percebi uma tocha recém acesa, antecipando a escuridão que viria com o pôr do sol. Estendi uma mão, sentindo as ondas de calor acariciando minha pele e fechei os olhos.
Deixei o fogo me conduzir, procurando os pontos de familiaridade entre os ambientes, buscando um modo, em meio a meu caos interno, de direcionar minha presença para casa. Eu sabia que teria de explicar minha postura para a pessoa que ficava ao lado da fonte constante de fogo da casa: a forja.
No entanto, esse era o menor dos meus problemas.
Deixei com que meus sentidos fluíssem até lá, ao ponto de ouvir os sons de meu pai trabalhando. Em pouco tempo, estava visualizando o cômodo pelos olhos das chamas, e esperei que Merfiz se distanciasse, para que, com um cuspido quente, eu aparecesse das fagulhas que se espirraram pelo ar.
Meu pai olhou por cima do ombro, o cenho já franzido por não esperar uma chegada tão abrupta:
— Fira, o que... — sua voz morreu quando viu quem realmente era. As feições se abrandaram, e ele soltou o material que estava usando. — O que aconteceu, meu filho?
Eu não tinha parado de chorar. Só me dei conta quando os olhos de meu pai se fixaram em minhas bochechas.
Sacudi a cabeça. Algo em mim dizia que eu estava aumentando toda aquela situação, que deveria ser mais fácil do que eu tentava fazer parecer, mas o problema é que eu não sabia como lidar com tantas descobertas em tão pouco tempo.
Não achava ser justa a forma que tudo estava mudando, sem eu conseguir acompanhar.
— Era para eu estar feliz com algo, pai. — decidi falar, ansiando por alguém com quem conversar sobre a situação. Estava cansado de guardar e esperar que ela se resolvesse sozinha, sem que eu interferisse. — Mas eu não consigo.
Merfiz estava tirando suas luvas, e foi até um balde com água limpa que ele separava para lavar as mãos e molhar alguns panos para lavar a testa de vez em quando. Ele deixou o excesso de água pingar de volta, parecendo pensar sobre minhas palavras.
— É uma obrigação tão grande assim ter de estar feliz por algo que não te agradou?
A pergunta me pegou desprevenido e eu gaguejei, tentando estruturar a conversa em minha cabeça. Se eu conseguisse fazer parecer que estava contando uma narrativa, talvez fosse mais fácil de explicar...
— Eldurian, nem tudo em nossa existência se desdobra tão facilmente como nas páginas de um livro. Nossa conversa não precisa ser tão prática quanto está desejando.
— Como que... Eu achei que eu era quem conseguia ler pensamentos na casa. — pegando até a mim mesmo de surpresa, eu comecei a rir — Isso é injusto.
Papai deu de ombros, um sorriso de canto se abrindo em seu rosto enquanto ele se apoiava contra o balcão, ajeitando suas tranças para ficarem a suas costas.
— E eu sou quem te criou por dezenove anos e contando. — ele apontou para a própria têmpora — Sei um pouco de como funciona sua mente agitada.
Seu tom carinhoso me fez sorrir. Até me sentia mais relaxado, eu diria. Sentia uma abertura ali, uma espera sem pressa de meu pai para ouvir o que eu tinha a lhe dizer.
Tomei o fôlego que acreditei precisar enquanto torcia as mãos, que já começavam a suar e a ficar um pouco frias. Mordi a parte interna da minha bochecha enquanto ruminava algumas palavras, mas já que nem tudo precisava ser tão pensado para ser dito, resolvi arriscar.
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Renovação de um Para Sempre
RomanceEldurian é o deus dos segredos que queimam nos corações, o que quer dizer que tem acesso a sentimentos ocasionais das pessoas, quando estes alcançam os seus ouvidos. No entanto, o que acontece quando ele não escuta os segredos de seu próprio coração...