Prólogo: Tá Combinado

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Quarenta anos.

Esse era o tempo aproximado que o Brasil, através de seus representantes, eleitos pelo povo para as altas casas legislativas, reconhecia e discutia o manicômio tributário que sobrecarrega a nação, amarrando o crescimento anual do país e estancando a criação de vagas de emprego.

A hipocrisia partidária de muitos dos parlamentares mais conservadores constantemente entrava em conflito com os ideais da esquerda radical e, como a incógnita acerca do sexo dos anjos, o debate caminhava a passos lentos, ora se aproximando de um senso majoritário, ora voltando vertiginosamente para as tangentes.

Em um paralelo com o relato bíblico do êxodo, essa foi a mesma quantidade de tempo em que milhares de pessoas, vítimas da escravidão egípcia, caminharam em círculos por um deserto, após empreender fuga em busca do sonho de uma terra prometida, que manaria leite e mel. Quarenta anos em um trajeto que seria facilmente percorrido em um único dia.

A demora, no entanto, encontraria explicação na desobediência de um povo desunido, que punido por Deus, vagou anos a fio provando as amarguras das consequências de suas próprias escolhas.

O castigo, no entanto, era amparado pela provisão divina que mandava o alimento e não permitia que as roupas e calçados se desgastassem pelo tempo, e, em permanente operação de milagres, testava a fidelidade do povo sem levá-lo a sucumbir. Havia um propósito por trás daquela pena.

A política brasileira que, infelizmente, não se desassocia do viés religioso, nos permite essa ousada analogia, para dizer que o enfado e o desgaste causados pela discussão das normas tributárias moldadas ainda no contexto da ditadura militar, não deixaram de carregar consigo alguns ensinamentos, estofo necessário para amadurecer a causa e mover as peças do jogo político para uma sonhada convergência.

É fato que, em um cabo de guerra, quanto mais uma das extremidades aplica força, a outra é obrigada a se alinhar ao centro, arrastada pelas circunstâncias.

A ascensão de um novo líder no Governo Federal, trouxe as condições favoráveis para implementar reformas, aproveitando o embalo da disposição da classe política e o voto de confiança da população, no intuito de reconstruir o país em outras bases, a partir da aliança esquerdista com uma frente ampla democrática.

Sob a batuta presidencial, uma "orquestra" se alinhou para costurar acordos e impulsionar a proposta de emenda constitucional mais viável de aprovação no Congresso Nacional. A equipe econômica viabilizou o diálogo e acompanhou, de muito perto, as negociações e expectativas de votos em cada etapa da tramitação, movimentada por uma troca de favores intensa que ganhava as manchetes.

A aprovação estava cada vez mais próxima. A bala de prata, a salvação da lavoura, a mãe das reformas, como quer que chamassem, finalmente sairia dos seminários acadêmicos nas universidades para se tornar uma realidade. Ainda que não fosse o texto perfeito, era a construção possível.

A Ministra de Estado do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, foi uma das peças-chave para azeitar o acordo entre seus colegas, como egressa do Senado Federal com simpatia de seus membros. Não ironicamente, dizia em entrevistas à imprensa que, se a polícia legislativa permitisse, dormiria naquela casa legislativa para garantir o sucesso da votação. O que ela omitia, no entanto, é que já cultivava há muito o hábito de passar noites naquele espaço. Suprimia também a informação de que não exatamente dormia e escondeu ainda quem lhe dava a chancela para isso.

O reencontro com sua ex-aluna, a hoje Senadora da República Soraya Thronicke, acontecera anos antes e trouxe à tona uma multidão de sentimentos e desejos reprimidos. O magnetismo entre ambas era palpável e forte demais para ser ignorado, sobretudo, quando não havia lá grande esforço nesse sentido.

Castigo | SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora