Capítulo 3: Efeito Pedagógico

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Brasília, 14 de Novembro de 2023

Simone

Os dias voavam à medida que o ano se aproximava do fim e a sensação era de que nadávamos contra a maré para entregar as proposições dos compromissos que assumi, seja no Ministério do Planejamento e do Orçamento, seja enquanto política sul-mato-grossense em processo de rebranding diante dos meus conterrâneos.

Recebi um convite do governador Eduardo Riedel para participar da reunião com toda a bancada federal de parlamentares do estado, a fim de conciliar interesses e chegar em um acordo sobre a melhor forma de alocar os recursos provenientes das emendas de bancada, de modo a contemplar, pela primeira vez, todos os setenta e nove municípios. Era uma forma de me aproximar também da discussão sobre os investimentos locais.

No entanto, com a demora na aprovação da Lei Orçamentária Anual de 2024, pelo Congresso Nacional, e um feriado no meio da semana, fracionando a agenda, achei por bem declinar da oferta e permanecer em Brasília.

Soraya, por sua vez, viajou disposta a replicar a estratégia aplicada por seu mandato, de assistir todas as cidades, com foco principal nos institutos federais e universidades públicas.

Por mais que eu ainda estivesse chateada com as tentativas dela de me chantagear emocionalmente a relevar a mágoa causada pela mentira contada tão facilmente após uma noite de amor, também detestava quando ela fazia esse tipo de bate e volta, em Campo Grande, sem mim. Era exaustivo e nem sempre valia a pena; mas ninguém consegue vencer a teimosia de uma mulher que vira onça.

A terça-feira começara, para mim, com uma reunião com o Presidente da República, no Palácio do Planalto, e mais alguns colegas ministros, principalmente da equipe econômica e da gestão de governo.

Com o celular sobre a mesa, virado com a tela para baixo, eu me concentrava nas anotações do que era mais importante na discussão para tentar, posteriormente, passar a limpo para minha agenda – o que nunca acontecia, pois eu mesma mal conseguia interpretar a totalidade dos meus rascunhos. De todo modo, era uma forma eficaz de memorização.

Eu havia começado a me policiar quanto a checar o telefone, durante certas reuniões, após ter sido abordada de forma nada cavalheiresca pelo Ministro-Chefe da Casa Civil, Rui Costa, por quem passei a cultivar certo desapreço. Na ocasião, além de ter insinuado que as conversas paralelas atrapalhavam o andamento das pautas, notei que julgava meu comportamento muito mais pelo fato de eu não ter lhe dado abertura, do que pelo meu desempenho enquanto Ministra de Estado.

Naquele dia, Rui estava sentado ao lado direito do Presidente e, logo à sua esquerda, estava o Ministro da Fazenda Fernando Haddad, que se colocara entre nós. Aproveitando uma brecha, em que uma das assessoras da Casa Civil entregava uma pilha de relatórios, tomando a atenção de seu chefe, peguei o celular e vi as notificações de mensagens. Logo no topo, na conversa fixada no aplicativo Whatsapp, uma bolinha azul com o número três, indicava as não lidas, enviadas por Soraya.

Soraya – 10h55
Bom dia, Ministra! Está perdendo uma reunião divertidíssima.

Soraya – 10h59
Como sou boazinha, mesmo depois de você ter batido a porta na minha cara, vou compartilhar meu entretenimento com você.

Soraya – 11h03
Misericórdia Simone, o que você fez com esse traste do seu marido?!? Ele parece a cada dia pior...

Mal consegui conter um sorriso, despertando a curiosidade de Haddad, que me cutucou com o ombro.

- Daqui a pouco o nosso fiscal, chefe de turma, vem tomar o seu celular – sussurrou na minha direção.

- Eu ando sem muita paciência, espero que ele não tente – respondi.

Castigo | SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora