Brasília, 9 de Novembro de 2023Simone
- Ah mas a senhora vai comer sim! – Cleide ordenou, balançando a cabeça de um lado para o outro, enquanto enxugava as mãos em um pano de prato. – Já passa o dia fora, a única refeição que eu consigo garantir é essa. Não tem negociação!
Adentrei a cozinha e a ajudei a pegar as louças para o desjejum.
- Você é muito mandona, sabia? – Perguntei.
- Não sou nada perto da dona Soraya, mas também posso virar uma onça! Uma vez pantaneira, sempre pantaneira – minha secretária e conterrânea brincou com o dedo em riste.
- Ô Cleide, não fala na Soraya, por favor.
- Ela deu uma mancada feia ontem, não foi? – Perguntou, me entregando a xícara de chá em infusão. – Longe de mim concordar, mas ouvi no ônibus que ela faz jus ao apelido de Soraya Trambique – ela comentou, cobrindo a boca com a mão para esconder o riso.
Sentei à mesa de jantar para fazer a refeição, sem muita fome e com a aparência denunciando a noite mal dormida. Rolei na cama, de um lado para o outro, pensando em como pude ser ingênua a ponto de acreditar que Soraya mudaria seu voto depois de ter passado meses insistindo em defender uma proposta de emenda constitucional alternativa sem qualquer base de apoio.
- O voto errado é apenas a ponta do iceberg. Ela mentiu para mim e isso é inaceitável... – respondi.
O toque estridente do interfone soou antes que eu pudesse concluir o raciocínio e Cleide o atendeu no segundo bipe. Após uma breve troca de palavras, a mulher colocou o aparelho de volta no gancho e desfez o laço do avental.
- A senhora está esperando alguma encomenda, dona Simone? – Indagou, com uma sobrancelha arqueada.
- Encomenda? Não... Ninguém avisou nada e eu não fiz compras recentemente.
- Parece que deixaram um pacote para a senhora lá com o Valdir, na portaria. Pode tomar seu café da manhã à vontade que eu vou descer para buscar. Ele 'tá sozinho hoje e não consegue mandar direto no elevador.
- Não precisa, eu posso pegar quando descer para sair – intervi.
- A pessoa que deixou o pacote mandou avisar que era "urgente"...
Foi muito fácil associar esse tipo de imediatismo a ela, mas me impedi de criar expectativas mais uma vez, de imaginar que ela pudesse se retratar tão rapidamente.
- Tudo bem, vá logo então, você sabe que eu sou curiosa – eu disse, reutilizando as folhas escuras para uma segunda xícara de chá.
- Ô se sei... – Cleide respondeu. – Não demoro!
Obviamente que, ao pensar em Soraya, minha mente devaneou sobre tê-la em minha cama todas as noites e em como era incômodo dormir sem ter o corpo pequeno em meus braços, em meus lábios... mesmo querendo eu não vou mais me enganar. Se bem conheço a minha mulher, ela tentará de tudo para me fazer voltar atrás e manipular a minha decisão.
O fato de que ela passaria o fim de semana inteiro em uma viagem para compromissos políticos, mas na companhia do marido, em um período em que não estávamos em harmonia, igualmente me tirava do prumo. Por mais segura que eu fosse a respeito de nós, apenas o vislumbre da possibilidade de um toque de outra pessoa em Soraya me fazia querer suspender qualquer castigo.
É inexplicável o quanto essa mulher de pouco mais de um metro e meio de altura consegue me fazer sentir instintos primitivos de possessividade e entrega, simultaneamente.
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Castigo | Simoraya
FanficUm país mergulhado na discussão sobre a carga de impostos, posicionamentos ideológicos em confronto. Nas entrelinhas do debate, quanto vale a lealdade a um relacionamento amoroso entre divergências? Quando a Ministra de Estado Simone Tebet se coloca...