Capítulo 5: Ré Confessa

2.4K 192 1.5K
                                    





Campo Grande, 30 de Novembro de 2023

Simone

A minha trajetória política, por mais óbvia que pudesse ser para as pessoas ao meu redor, permanecia sendo uma história que eu gostava de contar, para frisar que esta não é uma condição que me limita ou que tenha sido o meu plano de vida. Eu estou na política, mas eu sou professora. Mãe. Filha. Advogada. Uma mulher que ama outra mulher.

Viajar semanalmente e viver dividindo domicílios em mais de um estado é cansativo e, para mim, não é algo que você se acostume. Eu apenas aceitei. Meu sonho de consumo, aquele que martela a minha consciência diariamente, é voltar para as salas de aula de uma faculdade longe das grandes metrópoles, compartilhar a vida ao lado da minha mulher em uma casa aconchegante, afastada dos holofotes da imprensa nacional, com a consciência tranquila de já ter servido ao Brasil e ter contribuído para a construção do país dos nossos sonhos. Ainda quero poder fazer as escolhas da minha vida pessoal com a mesma potência com que rubrico a transferência de milhões de reais do orçamento brasileiro.

Enquanto esse privilégio ainda não me foi concedido – ou enquanto eu não me revisto da coragem que permeia meus discursos –, me conforta poder defender e representar as mulheres brasileiras. Eu só peço a Deus muita saúde e muita sabedoria para que eu não erre, peço todos os dias a Ele que não me deixe errar porque eu sei que um erro meu impacta o país inteiro. O sistema vive a espreita, no aguardo de um vacilo feminino, para nos varrer para o acostamento dos espaços de poder.

Essa era a reflexão da noite, enquanto desfazia a pequena mala de mão aberta sobre a cama.

Apesar de ter um compromisso na Cidade Morena apenas na sexta-feira, fui obrigada a tomar o voo na véspera por um equívoco no agendamento de aeronaves oficiais. Optei então por me isolar em meu apartamento, evitando pensar que Soraya iria ao show de Paul McCartney em Brasília, acompanhada de Carlos César.

Por mais que eu detestasse a ideia, sabia que qualquer outra companhia despertaria rumores indesejados e, por mais desagradável que fosse saber que não seria eu a curtir esse momento com ela, me consolava a convicção de que o marido de aparências não tentaria tocá-la. O acordo de convivência entre Soraya e Carlos César sempre foi muito mais tranquilo que o meu com Eduardo, entre eles havia a sombra de uma amizade, o que eu nunca cultivei com o homem com quem me casei.

Perto das 19h30, meu celular vibrou sobre a mesinha de cabeceira, com a tela iluminada exibindo "Amor ligando..." indicando uma chamada de vídeo de Soraya. Quando aceitei a ligação, meus olhos brilharam, vendo a maquiagem de olhos marcados e cílios cheios, o sorriso largo e o cabelo meio preso no topo da cabeça.

- Ora se não é a mulher mais linda desse mundo! – Falei, ao atender. – Assim fica difícil não morrer de ciúmes de não estar com você...

- Amor, você sabe que a mim só interessa uma pessoa e ela está aparecendo na tela do meu telefone com a pontinha do nariz vermelha nesse instante!

- Você acha que um dia nós vamos conseguir fazer essas coisas que casais normais fazem em público? – Perguntei, engolindo o aperto na garganta, pelo excesso de emoção inoportuno.

- Prometo que sim! Nem que eu precise voltar para a fila dos que reclamam para isso! – Soraya respondeu, mostrando os dedos cruzados em sinal de promessa.

- Que horas você vai sair? – Questionei, suavizando o clima.

- Carlos César vem me buscar daqui dez minutos. O Mané Garrincha já deve estar lotado, mas eu não quis ir muito cedo.

Castigo | SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora