Capítulo 4: Entrelaçadas

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Campo Grande/MS, 24 de Novembro de 2023

Simone

O sol sequer havia nascido completamente e o carro preto blindado me aguardava na pista de pouso do Aeroporto Internacional de Campo Grande. Apesar de ter conseguido tirar um cochilo durante a curta viagem, sabia que as horas de sono perdidas, pelo horário do embarque, me fariam falta mais tarde.

- Bom dia, Ministra! – Cumprimentou o motorista, segurando a porta traseira escancarada.

- Bom dia, querido! Tudo bom? – Respondi e comecei a me acomodar no interior do automóvel enquanto ele guardava a pequena mala de mão no bagageiro.

- Tudo ótimo. Podemos ir direto para a Governadoria do Estado ou a senhora prefere passar em outro lugar primeiro? – Perguntou, já tomando o assento do motorista e passando o cinto de segurança.

- Pode seguir a programação normal.

No retorno para deixar o local, encarei as esculturas de tuiuiú que adornavam a entrada, tão características do Pantanal. Seguimos pela Avenida Duque de Caxias, em baixa velocidade, e me distraí vendo a cidade passar pelo vidro fumê. Tão familiar e, ao mesmo tempo, tão hostil.

Me perguntei até quando sentiria a sensação agridoce de estar "em casa" e me sentir persona non grata, e tive saudades de quando a vida, no interior do interior do meu estado, era mais simples, com minhas Marias nadando no rio Sucuriú e soltando gritinhos a cada mergulho na água gelada.

Sem dúvidas, um ano após as últimas eleições presidenciais, e com o acesso que viabilizei ao cofre do Tesouro Nacional, tinha notado um clima mais ameno entre meus conterrâneos. Acredito que nada, jamais, será como antes; e prefiro que não seja.

- A temperatura do ar-condicionado 'tá boa 'pra senhora?

- Sim, obrigada por perguntar.

Apesar do clima quente do lado de fora, eu vestia calça de sarja preta e blusa de meia em tom alaranjado. Na mala compacta que montei, apenas mais duas combinações de roupa e o essencial para passar a sexta e o sábado em Campo Grande. Depois do compromisso institucional, pretendia encontrar minha mãe para o almoço.

- Chegamos – o motorista anunciou.

Antes que ele descesse do carro, João abriu a porta traseira para mim.

- Bom dia, ministra!

- Bom dia, João! – Respondi e o abracei.

A equipe reduzida tinha ido na noite anterior e eu havia optado por voar sozinha, para ter a possibilidade de jantar com Soraya na véspera da viagem. Ela sempre foi minha companhia preferida; desde o primeiro contato, quando era minha aluna, e através dos anos, tivemos inúmeros momentos juntas em que apenas fazíamos uma refeição e jogávamos conversa fora. Soraya me tirava as gargalhadas mais gostosas, pedia conselhos maternais e era quem mais me ensinava, partilhávamos das agruras de sermos mulheres em uma profissão que não foi pensada para nos acolher.

- O governador está à sua espera e a equipe já montou a apresentação das rotas de integração – João esclareceu, enquanto caminhávamos lado a lado até a sala de reuniões.

- Quantas pessoas vão participar? – Perguntei.

- Alguns secretários de governo e servidores, basicamente da Casa Civil.

- Eduardo está lá dentro? – Indaguei e não precisei identificar a qual deles estava me referindo.

- Sim. E, se me permite dizer, não está com cara de bons amigos.

Castigo | SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora