Epílogo: Desejos

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Aeroporto Internacional de Guarulhos
São Paulo, 23 de Dezembro de 2023

Soraya

- Tem certeza que você decorou todas as orientações que eu passei? – Perguntei pela... décima (?) vez para Bernardo. – No seu e-mail tem a marca de ração que elas comem, caso o estoque que deixamos acabe, o contato da Bia, nossa veterinária de confiança para qualquer emergência, e...

- ...não devo ceder às chantagens emocionais das pequenas manipuladoras. – Ele completou. – Sim, mamãe, eu decorei tudo, desde a primeira vez que foram dadas, inclusive. A senhora pode ir tranquila que Deusdete e Bethinha estarão em segurança comigo.

- Quem gostou dessa sua voluntariedade em cuidar das irmãzinhas foi a Cleide... – comentei.

- Ela também merece um recesso das manipuladoras. As cachorras, no caso...

O observei com olhos semicerrados e ele não conteve a risada.

Ergui os braços para segurar o rosto do meu rapaz entre as mãos. Como ele cresceu rápido! Fiz um carinho com os polegares como sempre costumava fazer quando o deixava na escola, após mil recomendações. Hoje era ele quem tinha vindo me deixar até o limite permitido, pouco antes do setor de embarque internacional, me ajudando com a bagagem de mão até chegarmos naquele ponto.

- Tenho muito orgulho de você, filho! Sei que não vamos estar juntos nesse Natal, mas... – engasguei no meio da frase, com o choro embargado na garganta. Um clássico materno.

- Iiih dona Soraya, não começa com a choradeira, que vai passar rapidinho! – Ele disse, enxugando a lágrima que escorria no canto do olho direito. – Você e a Simone têm mais é que aproveitar esses dias longe das "fãs", 'pra se curtirem ao máximo. E aposto que a senhora vai sentir mais saudade das cachorras do que de mim! – Completou, fingindo ciúmes.

- Bernardo! – Ralhei, dando um tapinha leve no braço dele.

- Brincadeirinha, brincadeirinha!

Assenti com a cabeça.

- E mãe...

- Diga, Bê.

- Eu também tenho um puta orgulho da senhora!

Era uma coisa linda para se dizer, mas péssima se a intenção era conter o choro de uma mãe babona.

- Ei, ei... não chora! Vem cá! – Ele disse, se curvando um pouco e me puxando para um abraço apertado. – Desejo que a senhora seja tão feliz quanto me permitiu ser, apoiando minhas escolhas e me dando a liberdade de ser quem eu sou. Agora só vai! Tem uma ministra branquela lhe esperando do outro lado do Oceano Atlântico.

O riso se mesclou com choro e eu juntei as duas mãos dele e as beijei no dorso, demoradamente e com carinho. Bernardo repetiu o gesto e então aplicou um selinho no topo da minha cabeça, antes de me entregar a valise que me acompanharia no avião.

Caminhei até o corredor de revista, sempre olhando para trás e sorrindo para meu filho, que tantas vezes me deu inspiração para acreditar no que eu sentia por Simone. A vida inteira eu abri caminhos, facilitando a vida dele, para que pudesse ser o que quisesse, diante das melhores oportunidades; hoje, era a coragem dele que pavimentava um futuro em que eu pudesse viver o amor que escolhi para mim.

Apanhei meus pertences na esteira do raio-x e procurei a cafeteria mais próxima. Pedi um duplo expresso, encontrei uma cadeira vazia e aproveitei para tirar o celular do bolso e conferir as últimas notificações.

"Olá! Gravando esse vídeo 'pra dizer que estamos finalizando o ano, fechamos o orçamento, foi um ano que começou difícil, mas que podemos dizer que fechamos com chave de ouro. Crescimento do Brasil acima da média do esperado, mais de dois milhões de brasileiros entrando no mercado de trabalho, inflação controlada, muita coisa boa aconteceu..."

Castigo | SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora