covardia cinza.

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Eu admito a covardia que perfura cada fibra da minha existência. Estou sempre vagando no meio de sombras que se alimentam do meu receio, viram minha pele do avesso e consomem a minha coragem junto.

Quando Taehyung sumiu por quase um mês, eu evitei confrontar a realidade, escondendo-me e deixando que as verdades cinzentas continuassem do lado de fora do meu apartamento, enquanto eu me abrigava em alucinações e pensamentos silenciosos, onde ecoavam milhares de questionamentos que absorviam minha energia e se transformavam em olheiras profundas e escuras ao redor dos meus olhos exaustos.

Eu não fui atrás. Não liguei em seu número anotado num papel amassado. Procurei por ele alguns dias no teatro, mas não havia nenhuma notícia, e quando Hoseok também deixou de participar, eu não apareci mais. Taehyung parecia ter evaporado; apenas uma recordação antiga e turbulenta na mente, como um delírio criado por minha fraca consciência. Senti saudade, mas também medo.

A hesitação sempre foi meu fardo, um peso em meus ombros e uma marca que sussurra palavras cruéis no escuro do meu âmago.

Hesitei em discar os números no telefone, em ir pelo menos mais um dia ao teatro, em buscá-lo no bar neon em que fomos, e quando percebi, já estava me afundando mais no trabalho e ficando trancado por horas e horas em meu quarto, na bagunça que eu havia criado e abraçado pela covardia, enquanto desejava ser Taehyung que me envolvesse com seus braços quentes e macios, que harmonizavam tão bem com os meus. Talvez fosse exagero, não sei dizer, mas Taehyung havia mexido em algo, chegando frenético como um furacão e de repente sumindo, deixando para trás uma desordem que eu teria que organizar sozinho.

Durante as manhãs e noites que foram passando, fui tentando trazer de volta a monotonia da minha vida e limpar o que Taehyung havia desalinhado. As lembranças coloridas, o lençol em que nos embolamos, seu cheiro na minha camiseta, a bituca de um dos cigarros artesanais que havia ficado em meu cinzeiro, a pequena e quase imperceptível mancha de tinta vermelha que ele havia deixado no azulejo do banheiro, quando banhamos juntos e a cor foi escorrendo nas ondas de seu cabelo.

Quando pensei ter ordenado tudo, ele voltou.

O cabelo vermelho intenso havia se transformado num loiro, que desenhava raios de luz dourada na tela da existência. Os fios, ondulados e suaves como asas de anjo, dançavam em harmonia em frente aos olhos castanhos profundos, que aos poucos iam sendo apertados pelo sorriso luminoso. Seus cílios longos acentuavam ainda mais a elegância e mistério em suas íris, e cada piscar era uma expressão artística que alcançava a intimidade de meu coração. Fui completamente absorvido por seu calor e serenidade. Taehyung carregava no pulso uma diversidade de pulseiras coloridas e cheias de pingentes e, no pescoço, colares contornando o tom de ouro da pele. Quando olhei para seu corpo alto, fiquei embriagado. Sem qualquer bebida alcoólica, apenas com a visão de sua barriga à mostra devido a blusa curta, e a calça bege larga que escorria por seu quadril suavemente. Nos pés, um tênis amarelo que eu sabia que ele tiraria assim que entrasse em meu apartamento, mesmo sem eu ter certeza de que queria que ele realmente fosse para dentro, onde eu estava me escondendo nas últimas semanas.

ㅡ Oi, Jeon Jeongguk! Comprei uns discos 'pra gente ouvir ㅡ casualmente, beijou a maçã do meu rosto, na cicatriz, entrou no apartamento e, como previsto, tirou os sapatos no mesmo instante.

Eu permaneci estático, como se meus pés estivessem presos ao chão, e de pouco em pouco tudo ia se desmoronando ao meu lado, parte por parte da superfície se desfazendo em enormes rachaduras. Taehyung havia voltado e eu sequer sabia como agir, e me sentia um tolo por estar tão aflito. Quando finalmente consegui me mover e fechar a porta, olhei para ele, relaxado em meu tapete, com alguns discos meus e seus misturados ao redor, numa bagunça cativante.

Memória Azul; taekookOnde histórias criam vida. Descubra agora