Memória Azul; taekook

enigmas carmim.

Taehyung era uma paleta de cores caótica e bonita. Quando eu o vi pela segunda vez, seu cabelo azul desbotado havia se transformado num vermelho vívido.

Descalço e de pé sobre uma das cadeiras do teatro, ele recitava alto as falas de seu personagem. Os gestos expressivos criando história e as palavras vitalizando algo que antes era mantido apenas no papel. Tinha paixão pela arte escorrendo de seus lábios e transbordando-o no meio daquela trama. Taehyung se movia, mudava com facilidade as feições, inalava e exalava sua euforia pelo o que fazia e gostava de mergulhar inteiramente nas emoções que a atuação o trazia. Era deslumbrante. O modo como ele interpretava era deslumbrante, seus olhos indo além de quem ele era, para se tornar seu personagem. A atmosfera calorosa engolindo-o ao erguer os braços, articular e dar vida à ficção

Tão livre, e eu, tão recluso. Entrei no teatro com os ombros encolhidos, braços cruzados e passos vacilantes. Um redemoinho de pensamentos em volta da minha cabeça, me fazendo questionar se era certo estar ali, acompanhando Hoseok outra vez, agindo como uma criança medrosa atrás dele, que adentrou o lugar envolvendo todos com seu sorriso largo. Novamente, eu passei despercebido pelas outras pessoas, insignificante. Mas, outra vez, Taehyung me notou.

Sua aproximação era sossegada, mas ainda assim me deixava sem fôlego. O ar desapareceu no segundo em que ele parou em minha frente, deixando-me estático e agindo como um bobo. Sua pele beijada pelo sol brilhava em suor, que escorria em seu pescoço até desaparecer dentro da jaqueta verde. Taehyung sorriu. Sorriu até que seus olhos puxados se transformassem em duas linhas pequenas apertadas pelas bochechas avermelhadas e pintadas de glitter prateado, que escorria no rosto como singelas lágrimas. Na pálpebra, uma confusão sublime entre sombra preta e vermelha, quase do mesmo tom de seus fios ondulados de cabelo. Vermelho sangue, que deslizava pela testa serenamente.

Eu nunca havia visto alguém como Taehyung. No meio do caos em Nova York, nunca enxerguei uma beleza como a sua, daquele jeito genuíno, uma aura cheia de cores envolvendo todas as curvas de seu corpo bonito. Não era alguém que eu iria encontrar numa lanchonete qualquer, ou num mercado de esquina durante a manhã. Mais tarde, percebi que Taehyung estava na singularidade; nas exposições de artes passando horas observando cada quadro, nas praias pouco frequentadas, onde o sol brilhava mais forte no mar e na areia, nas madrugadas em um karaokê, cantando e dançando suas músicas favoritas, nas peças de teatro que muitas pessoas desprezavam, mas ele não, porque Taehyung era amante de todas as artes. Sua extravagância era incomum de ser vista nas calçadas cinzentas de uma cidade cansada, mas quando ele aparecia, marcava tudo e a todos com sua turbulência, tons e fulgor.

Conhecê-lo naquele teatro era algo que estaria eternamente lapidado em minha mente.

ㅡ Oi, Jeon Jeongguk.

ㅡ Oi, Taehyung ㅡ um extenso suspiro cobriu minhas palavras. A qualquer instante eu poderia me desmanchar nele, no seu cabelo marfim e olhar penetrante.

ㅡ Vem, preciso te mostrar algo ㅡ ele segurou em meu braço e me puxou, como se tivéssemos algum tipo de compromisso com hora marcada. Taehyung me levou até o palco, onde subimos e eu parei a alguns passos de distância dele.

Sempre que eu estava com Taehyung, tudo em volta parecia parar subitamente, e então restava apenas eu e ele habitando o infinito, cercados por fervor, sussurros cúmplices e segredos nunca ditos. Ali, foi a primeira vez que eu senti isso, que o resto do mundo não era mais nada. O lado de fora do teatro, Hoseok, os outros atores ali, os lustres rústicos no teto nos iluminando como um espetáculo, as vozes das pessoas e também dentro da minha cabeça; isso era insignificante perto de nós, interligados por aquela atmosfera inominável.

ㅡ É um monólogo da peça. Passo madrugadas ensaiando ㅡ exibiu sua confiança, chacoalhou um pouco o corpo e, depois de conferir a folha do roteiro em sua mão, me olhou profundo.