O Nascimento

164 6 0
                                    

1724

Os gritos ecoavam dentro da casa, a mulher sentia sua garganta queimar, seus pulmões imploravam para que ela parasse, as veias em seu pescoço e rosto dilatavam em dor enquanto sentia seu corpo ser rasgado por um monstro parasita que se apropriou de seu corpo e sua vida nas piores formas possíveis. 

Haviam quatro mulheres junto a ela, todas com as mais horrendas reputações da pequena vila, Bruxas. Eram mulheres tocadas pelo Diabo, com marcas de sua condenação em suas faces e corpos. E mesmo assim, mesmo sendo adoradoras do Demônio, bruxas que logo deveriam ser condenadas ao fogo, aquelas mulheres eram as únicas que Arlete poderia contar. 

Anna, que tinha uma grande marca escura em sua face, a clara marca da Bruxa, segurava o corpo de Arlete contra a cadeira, ao mesmo tempo que mantinha o cabelo escuro e liso dela fora de sua face. Aroa, uma mulher abominação da natureza, um fruto de um ato pecaminoso, que par sempre ficou marcado em seu corpo como dedos a mais em suas mãos, segurava a perna esquerda de Arlete, mesmo com o claro desgosto da mais velha por sentir sua mão abominosa tocar em seu corpo. Marie, uma mulher que foi condenada ao silêncio eterno por Deus, segurava a perna direita de Arlete. E por fim, Irene, a mais velha de todas, seus cabelos esbranquiçados caiam de seu penteado, enquanto ela se abaixava para ver o tal monstro que saia do corpo de Arlete.

Arlete condenava aquele monstro desde o momento de sua descoberta. Ela havia feito de tudo para expulsar aquela abominação de seu corpo, havia pedido ajuda a Deus tantas vezes que se questionava se alguém realmente ouvia suas preces para tirar o monstro de seu corpo. 

- eu te odeio!!! - ela gritou entre seus dentes, lágrimas grossas escorriam em seu rosto, ao lado do suor pela exaustão que sentia. A força que fazia para tentar expulsar o maldito monstro parecia ser inútil. Todos seus músculos se contraiam, e nada parecia fazer efeito algum. 
- tem que fazer mais força que isso, querida... - Irene falou num tom calmo, ignorando todos xingamentos que antes ouviu, guardando suas palavras enquanto ouvia as maldições que Arlete jogava contra uma inocente criança. 

Arlete gritou ainda mais alto, podendo ouvir as cabras do lado de fora da casa reagirem ao seu grito de dor. Ela odiava estar ali, aquela casa pecaminosa afastada da vila, onde viviam animais que não eram de Deus, onde se cultuavam o Diabo, aquela casa com chão de terra, paredes de pedra, iluminados por uma lareira grande, e alguns lampiões pendurados da parede. Aquele lugar esquecido, ou, abominável a presença de Deus. 

Mas o que ela odiava ainda mais, era o fato de ali, naquela horrenda casa, era o único lugar que poderia receber a ajuda que precisava. 

Arlete se odiava por ter deixado a tradição de sua família cair em ruínas. Era para ela estar se casando, e tendo milagres do casamento da forma certa. E não estar na casa do Demônio, dando a luz à uma abominação que cresceu em seu corpo nos últimos nove meses. 

Ela ouvia as histórias de mulheres que a dor do parto era algo horrendo, mas sempre que ouviam o choro de seus filhos, ouviam ele chamar por sua mãe, a dor se esvaia. Mas no momento em que Arlete ouviu o choro da criança, toda sua dor aumentou mil vezes, como se um ferreiro enfiasse o ferro derretido dentro de seu corpo, como se seus órgãos queimassem em seu interior. Uma verdadeira tortura. 

- meus parabéns, é uma linda e saudável menina... Quer vê-la? - Irene falou pegando a criança e a enrolando em um pequeno cobertor, cortando seu cordão umbilical antes de limpar o máximo que podia seu rosto ainda amassado por sair de sua mãe. 

Irene sorriu vendo a beleza sem igual da pequena criança, seus olhinhos escuros a observando, suas mãos pequenas se esticando como se procurasse suma mão, sua boca se abrindo enquanto chorava pedindo algum conforto pelo trauma de nascer. A mulher olhou para suas duas filhas ali, sorrindo fraco como se assegurassem à elas que a bebê estava bem. Anna, Aroa e Marie sorriram uma para as outras, soltando o corpo de Arlete para deixar a nova mãe da vila conhecer sua filha. 

O Gosto VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora