Piloto

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Narrador

Até onde o corpo humano aguenta? Até onde seu consciente aguenta ser sabotado por ele mesmo?

Bom, a pequena Katherine se sentia a beira da descoberta.

A essa altura da noite ela não está mais ciente de quem é, tampouco detém controle de seu corpo; seus passos cambaleantes são — falhamente — amparados por seus braços, que mal conseguem alcançar a parede mais próxima.

Ela estava em um lugar que não devia, mas quem podia culpa-la? Ali era um dos únicos lugares que ela poderia ir e fazer o que quer. É a festa de um dos meninos mais populares da faculdade, jogador de basquete, aparência padrão e playboy, estava ostentando seu dinheiro e comemorando a vitória que tiveram na noite anterior. Não haviam papparazzis, tampouco fofoqueiros — afinal todos ali tinham algum rabo preso, ninguém entrega ninguém.

A mansão era bonita,notou, estilo industrial com piso em mármore polido e paredes com variações de cinza, mobílias caras e minimalistas como as decorações, tudo parecia combinar.

A menina não sabe como, mas quando percebeu, estava no jardim, afastada da piscina onde ocorria tanta pornografia que a enojava. Sua visão estava embaçada e sua garganta seca, não sabia nem para onde estava indo, ou porquê estava indo.

Ela tinha vontade de gritar, gritar a plenos pulmões e externar toda sua raiva, medo e frustração  que nem toda bebida ou maconha da festa pareciam capaz de suprir. Sua cabeça estava tonta e pesada, seus pensamentos desconexos e os olhos pesados. Sentia dor ao respirar, e por isso mal conseguia o fazer.

"Smell Like Teen Spirit" do Nirvana tocava ao fundo, mas mesmo com o volume alto, para a menina parecia apenas um som ambiente e abafado, como se sua cabeça estivesse dentro de um aquário de vidro, ou melhor, submersa na piscina que ela passou momentos atrás, cheia de gente transando e usando substâncias que ela não saberia dizer do que eram feitas. Mas no fundo, mesmo sem controle de sua própria mente, ela os invejou, afinal ninguém ali estava preocupado ou tenso, ninguém ali sabia mais o próprio nome, no fundo era isso que ela desejava.

Desejava do fundo de suas entranhas, nem que seja por 5 minutos, esquecer quem é, esquecer tudo que aconteceu consigo nos últimos meses apenas por ser quem é, por carregar um nome tão importante.

E esqueço o porquê de eu experimentar
Ah sim, acho que isso me faz sorrir
Eu achei difícil, é difícil de encontrar
Bem, tanto faz, deixa para lá

A música pareceu combinar bem demais com a situação, mesmo que ela não soubesse nem em que parte estava, aquele trecho definiu um pouco de seus pensamentos turbulentos dos últimos dias.

Ela se sentia sem peso ali, com o corpo leve como uma pena. Jogou-se em um dos bancos dispostos sem medo algum e sem sentir dor quando brutalmente caiu sentada, em outro momento ela teria certeza de que ficaria roxa.

Alguma coisa vibrava na bolsa que atravessava seu corpo, uma vibração chata e insistente que perdurava desde que... bem, ela só notou minutos atrás quando pegou uma cerveja na geladeira da cozinha, antes de ir para o jardim ou algo assim — e agora ela nem sabia mais onde estava a cerveja.

Seu peito apertado parecia implorar por alívio, um nó apertado e incômodo fazia sua garganta doer. Mas ela não se importava com nada disso, sentia-se dormente mas ela nem se mexia, apenas continuava estirada naquele banco.

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