Capítulo 2 - 21 anos depois - Edgar

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   Cada palavra dita pelo Dr. Frandlie machucou-me como a própria morte. Ninguém devia receber a notícia de que sua própria mãe está morrendo e nada pode ser feito para mudar isso.

     - Lamento imensamente, Edgar. - Disse-me - Juliet é uma adorável mulher, não merece passar por isso. Infelizmente não há o que ser feito.

     Palavras, nunca senti tanta repulsa por elas. Meu coração salta tão forte que parece querer fugir de mim, sinto-me perdido, sem chão, sem ar. Corro em direção ao meu quarto como se uma vez lá dentro, pudesse fazer algo realmente útil.

     Não sei ao certo quanto tempo se passou, fiquei deitado olhando para cima enquanto ouvia passos pela casa, deviam ser vizinhos, Juliet é muito querida pela vizinhança. Oh, como dói pensar em perdê-la, sinto vontade de chorar, mas luto contra isso. Talvez o destino esteja apenas a esperar minhas lágrimas, para que a sentença seja dada.

     De uma hora para a outra os sons de passos param. Não consigo mais ouvir as vozes que lamentavam baixinho. A casa está mais uma vez calma e quieta como passou a ser nos últimos meses. Tenho a impressão de voltar no tempo, talvez tudo fosse apenas um sonho, e a qualquer momento Anna surgiria cantarolando pelos corredores, então Juliet dançaria e as duas gargalhariam juntas por longas horas. Sempre a cantar, a dançar e a sorrir.

     Lembro-me bem de quando este lar resumia-se em alegria. Juliet e Anna cuidavam da casa, eu estava quase sempre ocupado com os estudos ou com o trabalho, mas quando nos reuníamos durante as refeições ríamos até não conseguir mais. Fora sempre assim, até Juliet adoecer.

     A dois anos minha mãe adoeceu (gosto de tratá-la por Juliet,  é um belo nome), ela sempre fora gentil e adorava ajudar a todos, era muito querida pelas pessoas que a conheciam, quando começou a sentir-se mal muita coisa mudou, e a preocupação podia ser lida em nossas faces. A oito meses atrás ela piorou, passava então maior parte do dia na cama, alimentava-se das refeições que Anna cuidadosamente preparava, seguia às receitas do Doutor, mas independente dos esforços, a doença parecia cada dia mais forte. Juliet está muito debilitada agora.

     Foi assim que a casa perdeu a luz, Anna perdeu seu brilho no olhar e a tristeza passou a habitar entre as paredes deste lar.

     Ouço passos. Estivera eu perdido em pensamentos, em um tempo onde a tristeza existia, mas maior que ela era a esperança? O som de passos param diante à minha porta. Há alguém ali. 

     - Edgar? - É a voz de Anna. 

     Parece triste e abatida, coitada, tão ingênua e tão sofredora... Nunca conheci os pais dela, Anna veio morar conosco quando tinha quatro anos, seu pai sofreu um acidente que o impossibilitou de trabalhar, levando então a família à falência, sem condições de sustentar a filha entregaram-na a Juliet, que era a parente mais próxima, depois foram para longe em busca de oportunidades, ao menos é isso o que Juliet nos dizia a respeito deles, mas eles nunca voltaram. 

     - Edgar? - Ela chama mais uma vez.

     - Entre, Anna. - Respondo. Vejo o semblante de tristeza que ela carrega. Gosto de vê-la sorrir, é difícil vê-la abatida, passamos a infância juntos, com o passar dos anos nos distanciamos, embora Anna nunca tenha deixado de ser doce e gentil.

     Ela senta na beira da cama e com um olhar indecifrável fita-me por um tempo.

     - Juliet dorme. - Diz por fim - Pediu para te ver ao amanhecer. Ela deseja muito falar contigo, Edgar.

     - Ela está bem?

     Anna me olha com tristeza - Não, não está.

     Vejo os olhos dela encherem-se de lágrimas. Ela levanta-se e vai em direção à porta. Dói pensar em Juliet, ou melhor, na vida sem ela, mas parte-me o coração ver Anna chorar. Como pôde a dor roubar-lhe a pureza de um sorriso?

     - Anna! - Sinto vontade de levantar-me, de fazer algo para toda aquela dor passar, para Anna voltar a sorrir e para Juliet encher-se novamente de saúde - Vai ficar tudo bem, eu prometo.

     Ela sorri e sai fechando a porta atrás de si.

     Não deve-se prometer algo e não cumprir, afinal, estou confuso ou bobo? Ao menos ela sorriu, já sofreu tanto e agora a vida prega-lhe mais uma.

     Juliet. Ah, como seu nome me acalma. Lembro-me bem de seus cuidados, de seu carinho. Ela é tão doce e gentil que não me passa como um homem pôde abandoná-la. E agora eu sei que daria qualquer coisa por sua presença em todos os dias da minha vida. Um turbilhão de pensamentos invade-me enquanto quentes lágrimas escorrem pelo meu rosto. Pronto, já foi sentenciado.

     Não sei até quando chorei, pois adormeci. Logo cedo levantei-me, juntei forças e fui até Juliet.

     Juliet ainda está dormindo, não quero acordá-la. sento-me ao seu lado na cama e admiro sua face. Está magra e fraca, mas ainda assim é bela. Devia ter sido uma moça encantadora, pela qual muitos homens galanteariam. E escolheu justamente o que não fora homem o bastante para honrá-la, e abandonou-a grávida.

     - Edgar? - O som da voz dela desperta-me de pensamentos.

     - Juliet, desculpe-me, não queria acordá-la - Levanto-me para sair.

     - Oh, por favor, fiques - Paro, volto e sento-me ao lado dela outra vez.

     - Anna disse que querias falar comigo.

     - Quero sim. Talvez ainda haja tempo, mas quero que prometas-me algo.

     - Sim?

     - Primeiro, quero que prometas-me que se a doença for mais forte que eu, tu irás cuidar de Anna, Edgar - Como ela pôde pedir-me aquilo? Ela não vai partir, não pode! 

     - Prometo. - Tentei ser firme com a voz, mas acho que não consegui. Seu olhos suplicavam por uma resposta, e eu a dei.

     Ela sorri. Tão docemente que por um instante sinto que não há doença, que não há dor, que no mundo não há tristeza, apenas a beleza de seu sorriso - Mais uma coisa. Tu irás em busca da verdade sobre teu pai - Ela diz.

     Meu pai?! Não consigo acreditar no que acabei de ouvir, depois de ser abandonada por ele, ainda pede-me isso? Não! Eu odeio o homem que trouxe tristeza à Juliet, ela merecia ser feliz, e ele roubou-lhe isso. Sinto a raiva se apoderando de mim rapidamente, tento conter-me para respondê-la - O que? Juliet, ele nos abandonou... Não podes pedir-me isso.

     - Prometa-me - Ela insiste serenamente.

     - Não! - É de mais para mim, por anos evitei o assunto, evitei até mesmo pensar sobre isso e agora Juliet pede-me para ir atrás do homem que nos traiu? Levanto-me rapidamente e sigo em direção à porta. Não quero mais ouvir.

     - Edgar! - Ouço ela gritar com dificuldade em quanto saio do quarto - Ouça-me! Filho, teu pai não nos abandonou...

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