Capítulo 9 - Victor Weidder

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     As horas se passam e com elas minha paciência. Minhas mãos soam, meu corpo treme e eu mal consigo conter-me de ansiedade e preocupação. O menino Edgar saiu daqui ainda cedo, logo depois do café, e agora, já tarde da noite, não tenho notícias. Não consigo parar de imaginar catástrofes. Sinto medo. É estanho, é como se estivesse acontecendo com um dos meus filhos... 

     A princípio pensei que ele poderia ter decidido passar a noite por lá. Relembrando momentos ao lado da mãe, talvez. Mas por algum motivo essa hipótese parece-me perturbadora. Sei que ele andava a evitar lembranças dolorosas. Além do mais, já tentei ligar diversas vezes, mas o telefone se quer chama. Não há sinal de Edgar em qualquer canto. Então desisti de tentar ligar minuto após minuto feito um pai de um adolescente rebelde, e vim para cá, no meu quarto, afogar-me de vez nesses sentimentos confusos.

     Lembro-me muito bem do instante em que vi o menino Edgar na minha porta, com um medo perceptível no olhar trêmulo, a minha procura, dias atrás. Enquanto ele me dizia que veio a pedido da mãe e que se chamava Edgar, eu tentava desenfreadamente não acreditar no que estava à minha frente. Por anos pensei que um dia eu iria ao seu encontro, mas antes disso ele veio até mim, e estava ali, diante da porta, tremendo como se eu fosse a visão da morte, chamando a si próprio de Edgar Hasdywell. E esse sobrenome eu não esqueceria jamais.

     Lembro-me de ter o reconhecido apenas em olhá-lo nos olhos. O vende-água que tanto simbolizou minha dor quando jovem. Mas 21 anos se passaram, ele é um homem agora. E seus olhos brilham de um jeito diferente, de um jeito estranhamente perturbador e encantador.

     Pensar no menino Edgar traz-me uma rede de pensamentos tão complexa que por vezes tenho me esforçar para não perder-me nela. Ele faz-me lembrar de tempos antigos, por anos esquecidos, onde eu sentia-me confiante para lutar pelo amor de minha amada... Juliet.

     Ela era linda, e algo me diz que nunca deixou de ser. Tinha cabelos castanhos que sempre voavam com o vento, e que moldavam seu rosto perfeito. Seus olhos verdes faziam-me paralisar todo instante em que fitavam-me. Eu era completamente apaixonado. Seus olhos... Os mesmos olhos de Edgar. Mas entre os dois amigos que faziam praticamente tudo juntos, e que viviam para cima e para baixo aprontando besteiras, foi para Dieval que ela olhou de um jeito diferente. De um jeito cheio de ternura, cheio de amor...

     Quando Dieval veio contar-me, numa manhã de domingo estupidamente fria, que estava namorando com Juliet, meu pequeno castelo caiu, desmoronou. E eu nunca ousei dizer nada, afinal, ninguém precisava saber.

     Os anos passaram-se rapidamente, e seguindo o mesmo ritmo o amor de Dieval e Juliet cresceu. Podia sentir o cheiro de promessas de amor no ar quando via os dois. Sentia dor. Sentia inveja. E raiva, muita raiva. Mas Dieval era meu melhor e único amigo, e eu obriguei-me a ficar feliz por eles. Quatro anos depois de começarem o namoro casaram-se, e eu escondi, no canto mais escuro de minh'alma, os sentimentos que tinha por ela.

     Por vezes pensei em falar, mas eu sabia que nada nem ninguém seria capaz de separá-los, porque eles se amavam. Eu sabia disso porque foi no diz do seu casamento, toda vestida de branco, que Juliet mostrou-me seu sorriso mais lindo e radiante. Provavelmente foi Dieval que desfrutou daquele sorriso o resto da noite, na casa nova, recém-construída, enquanto viviam a lua de mel. Sei que eles se amavam porque seus olhares gritavam isso. Porque Dieval seria capaz de qualquer coisa por Juliet, qualquer coisa. E acima de tudo, sei que Juliet o amava porque o esperou, a vida toda, desde o dia em que ele desapareceu.

     Dieval era meu melhor amigo. Dieval era um irmão para mim. Independente de Juliet, eu o amava. E depois do seu desaparecimento, foi difícil sentir a esperança se esvaindo com os dias que passavam e, com um ar sombrio, afastava cada vez mais a possibilidade de Dieval estar vivo. Eu sentia ainda mais por saber o que poderia ter acontecido, mas eu não podia falar, não devia. 

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