Capítulo 16

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     O reflexo dela no espelho. Olhos com a linha d'água preenchida. Olhos que gritavam por mais uma chance, por mais um segundo de chance. Negros, grandes... Tão diferentes dos olhos de Juliet. Então me vem a mente a imagem dos olhos verdes de Juliet perdendo a vida e do seu corpo caindo ao chão. Como resposta ao pensamento piso no acelerador, em direção à morte.


     Céus! Sinto meu peito latejar numa explosão de dor por ter deixado-a para trás. Uma dor tão lancinante que tenho a sensação de poder tocá-la. Não sei ao certo se é um vazio a me consumir ou um novo órgão dentro de mim. Eu a amo. Mas não posso decepcionar Juliet, não outra vez. Preciso pôr um fim nisso.

     "Oh, querido, orgulho-me tanto de ti!" - Lembro-me das palavras de Juliet no meu décimo terceiro aniversário - "Nunca deixe que algum sentimento ruim tape seus olhos de maneira a não te deixar ver o quanto te amo, meu bem."

     Piso no acelerador. Vã tentativa de afastar as lembranças. Lágrimas ameaçam cair, a dor consome o resto de vida que ainda há em mim. Só preciso concertar as coisas. Embora nada disso seja capaz de trazer Juliet de volta.

     Lembro-me de quando vi Anna pela primeira vez. Ela sai tímida de trás do vestido de Juliet. Ela era significantemente mais baixa do que eu, embora eu seja apenas alguns meses mais velho, seus ombros estavam encolhidos e ela evitava me olhar nos olhos. Quando o fazia, eu sorria, e ela corava. Ela costumava ter medo de mim, ou era o que parecia, já que a cada movimento meu ela recuava, mas isso logo passou, Juliet nos ensinou a cuidar um do outro. Eu adorava os olhos dela. Tão grandes, tão negros, e o modo como ela piscava era encantador. Seu meio-sorriso tímido... Ela era a menina mais bonita que conhecia, era também a mais inteligente e a mais doce. Eu gostava da ideia de tê-la como irmã. 

     Lembro-me de quando ela começou a usar espartilho e a soltar os cabelos, como as moças da cidade. Mas quando isso aconteceu, já não nos falávamos tanto assim. Eu estuava durante as manhãs e muitas vezes durante toda a tarde também. Me esforçava para dar à Juliet um pouco da felicidade que eu ela nunca teve com meu pai. Eu pensava que ela nunca tinha sido feliz. Anna estudava em casa, como a maioria das garotas. Juliet sempre se importara em cuidar da educação de Anna. Sei que era seu desejo tornar Anna uma mulher culta a intelectual. O que conseguiu. Ao menos sei que Anna prestara mais atenção nas aulas de latim do que eu.

     Uma noite, me recordo vagamente, quando eu tinha 15 anos e Anna ainda 14, acordei no meio da noite por algum motivo qualquer. Abei os olhos e vi algumas luzes amareladas dançando no chão, decidi segui-las. Descendo as escadas, descobri que as luzes eram de algumas velas que Anna usava para iluminar o cômodo em que Juliet chamava de biblioteca, onde Anna estudava. E ela estava lá. Usava roupas de dormir, um vestido de cetim que cobria-lhe as pernas. Todos deviam estar dormindo, Juliet há tempos já dormir, mas ela estava estudando. Lembro-me de como fiquei hipnotizado vendo-a, da brecha da porta, deslizar seus compridos dedos pela folha do livro, acompanhando a leitura. Seus cabelos estavam presos num rabo-de-cavalo, o que deixava seu pescoço e a marca de suas clavículas à vista. Nunca havia amado-a tanto quanto àquela noite. Foi o primeiro sinal, pensando em retrospecto, de que logo não a veria mais como uma irmã. Depois desta noite, acordei mais algumas vezes para observá-la em silêncio.

     Lembro-me de quando era ela a visitar-me durante a noite, na casa de Victor. Às vezes para falar sobre como sentia falta de Juliet, às vezes para chorar em meu ombro e tentar convencer-me a ficar, outras vezes, penso, apenas para deixar-me amá-la em silêncio, como fazíamos há anos atrás.

     Lembro-me do nosso primeiro (e tão ansiosamente esperado) beijo. De como ela estava nervosa, de como a desejei. "Então o que queres?" Ela gritava. Lembro-me de como ela ainda parecia aquela garotinha que estudava escondida de madrugada, aqueles olhos... "Tu" Disse eu. E senti-me com 15 anos outra vez, beijando-a, beijando-a... A temperatura da pele dela, que sempre fora mais fria do que a minha, fazendo eriçar meus pelos. 

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