Pt.1 Saudade

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O pior aconteceu. Saiko se esqueceu cedo do que havia deixado ele tão nervoso, mas as palavras que havia dito em consequência da raiva passageira continuavam constantes em sua cabeça, se repetindo de novo e de novo e de novo, sem parar não importa quanto tempo passasse.

"Tu só faz merda, S/N."

O tom saiu errado: muito sério, rude, agressivo demais. Ele estava acostumado a falar assim com seus amigos e não se tocou de que talvez, só talvez, não fosse uma boa ideia aumentar o tom com sua namorada.

"Tu só faz merda, S/N."

Ignorante demais. Se ele tivesse ido atrás de consertar o erro, pelo menos, talvez as coisas não tivessem dado tão errado.

A voz de Ycaro soa de seus fones de ouvido, trazendo-o de volta para a realidade.

"Ou, Saiko, tu tá bem?"

"Ah, foi mal... viajei aqui." Ele suspirou e piscou algumas vezes, até que finalmente voltou a assimilar as cores e formatos que brilhavam na tela do computador. O boneco quadrado de seu amigo estava virado para ele, encarando seu silêncio. "Depois eu corto essa parte do vídeo."

"Então tá. Esses dias você tem agindo estranho, toda hora fica calado. Tem dormido direito?"

"Não," pensou, "claro que não", mas negou com a cabeça, se recusando a abrir qualquer porta que pudesse expor sua própria vulnerabilidade.

"Aham." Passou os olhos pela tela, procurando qualquer coisa que mudasse o assunto por ele. A barrinha de fome na metade deu espaço para o alívio. "Bora pegar comida antes que fique de noite."

Felizmente, Ycaro não notou nada de errado com a resposta, e logo os dois foram atrás de algumas ovelhas que estavam por perto. O resto da gravação conseguiu distrair Saiko por mais um tempo, mas quando ela chegou ao fim, os pensamentos voltaram, dez vezes pior.

"Tu só faz merda, S/N."

Saiko sentia vontade de bater a cabeça contra a parede, para ver se pelo menos assim a sua voz parava de ecoar de dentro dela. Quanto mais ele se escutava, mais percebia o porquê de S/N ter ido embora. Era culpa dele. Ele sabia que merecia esse arrependimento esmagador que o seguia dia após dia, mas mesmo assim, depois de um trimestre inteiro era de se esperar que ele se sentisse pelo menos um pouco melhor... né? Três meses. Três meses desde o dia em que ela foi embora. Ele sentiu passar uma eternidade inteira.

Saiko sentia vontade de bater a cabeça contra a parede, porém conseguiu se segurar.

Ao invés disso, ele apoiou as mãos nos braços da cadeira e se forçou a se levantar por elas. A marca de suor que ficou para trás, no couro, fez suas sobrancelhas subirem. Estava tão quente assim? Ele nem notou.

Com passos preguiçosos, ele vai até a cozinha e pega um copo d'água para si, e enquanto ia bebericando aquilo, os olhos observavam a janela que dava para o lado de fora. Várias estrelinhas dançavam no céu escuro, e no centro de todas elas, a lua. Ele soltou um suspiro ao se lembrar de quando, há três meses, S/N apontou para aquela mesma lua e disse, entre risos, que ele era igual a ela.

"Some de dia e só aparece de noite," explicou, na época. "Sério, Saiko, tu é a pessoa com o sono mais cagado que eu conheço." E riu, daquele jeito dela, com as bochechas rosadas e a postura aberta.

Três meses sem ouvir a risada dela.

Os olhos caíram para o bolso da bermuda, onde seu celular estava. Seria uma boa ideia? Sim. Não. Talvez. Outro suspiro. Será que é melhor morrer de saudade ou de constrangimento? No ritmo que andavam as coisas, ele ficaria preso na indecisão para sempre. Quando terminou de beber sua água, ele voltou para o quarto e se jogou na cama.

one shots • saikomene x leitorOnde histórias criam vida. Descubra agora