— Olha, tem um unicórnio aqui.
Abrindo um sorriso, pego a carta das mãos de Jude e me recosto no ninho de sacos de dormir e travesseiros que arrumamos dentro da pequena barraca laranja que montei no quintal. O sol se pôs há uma hora, e o único foco de luz é o da minha lanterna Coleman, que está presa em um pequeno gancho no teto da barraca. Desde o sexto ano não fazíamos um acampamento no quintal, mas é verão e estávamos entediadas, então montar a barraca pareceu ser algo divertido a fazer.
— Está vendo agora por que eu queria estudar lá? — pergunto enquanto guardo a carta de volta no envelope. — Qualquer lugar que usa um unicórnio na correspondência oficial é um bom lugar pra mim.
— Obviamente — Jude reforça, se recostando também.
Seu longo cabelo loiro está tingido de turquesa nas pontas e, conforme ela se ajeita nos sacos de dormir, aquelas mechas azuis e brilhantes encostam no meu braço, acelerando meu batimento cardíaco e soltando uma revoada de borboletas no meu estômago.
Apoiando-se nos cotovelos, Jude olha para mim, as sardas em seu nariz se sobressaindo sob a luz da lanterna.
— E você entrou!
Concordando com a cabeça, eu olho para o envelope de Gregorstoun, um colégio interno sofisticado nas Terras Altas da Escócia, me segurando para não pegar a carta de novo e reler o cabeçalho.
Cara senhorita Giovanna Lima:
Temos o prazer de oferecer uma vaga em Gregorstoun…
A carta está guardada na minha bolsa há mais de um mês. Ainda nem contei para meu pai. E não tinha planejado falar disso com Jude também, mas ela a achou quando estava procurando um hidratante labial.
— Então por que você não vai? — ela pergunta, e eu dou de ombros, pegando a carta e guardando de volta no bolso da frente da bolsa surrada que eu carrego comigo para todo canto.
Uma leve brisa sacode o náilon da barraca, trazendo o cheiro das noites de verão texanas – grama recém-cortada e o aroma defumado de alguém fazendo churrasco.
— Gi, você fala desse colégio o tempo todo já tem, tipo, um ano — Jude insiste, me empurrando com a mão livre. — E agora você foi aceita e não vai?
Dou de ombros de novo enquanto suspiro e mexo com o cabelo.
— É supercaro — digo, o que é verdade. — Então eu precisaria conseguir uma bolsa. E é bem longe.
O que também é verdade. Apesar disso não ter me impedido de sonhar em ir para lá o ano passado inteiro. Gregorstoun está no pico nas Terras Altas da Escócia, rodeado de montanhas e lagos – quer dizer, lochs –, além de todas as amostras de rochas que uma doida por geologia que nem eu poderia querer.
Mas as coisas eram diferentes com Jude no ano passado.
Somos amigas desde os nove anos, e eu tenho uma queda por ela desde os treze, quando percebi que sentia por ela a mesma coisa que sentia pelo Lance McHenry de Boys of Summer (olha, todo mundo gostava de Boys of Summer naquela época, não era tão vergonhoso quanto parece).
E minha queda pela Jude tinha tanta chance de ser correspondida quanto a paixonite que eu tinha por um garoto de cabelos bagunçados de uma banda.
Pelo menos, era o que eu achava.
Agora ela se aproxima de mim sobre o saco de dormir estampado com margaridas que tem desde o primeiro acampamento do sexto ano. Diferentemente de mim, Jude não curte muito acampar.
Ela acaricia meu braço com os dedos, deixando as unhas arranharem a pele de leve, e minha respiração tremula quando fico arrepiada. Cada unha está pintada num tom diferente de roxo, o polegar em lavanda claro, o mindinho num violeta tão escuro que parece preto. Ali, naquela barraca, com a noite de verão ao nosso redor, sinto que poderíamos ser as únicas duas pessoas no mundo.
— Você não está recusando por minha causa, né? — ela pergunta, e meu coração dá uma cambalhota dentro do peito.
Essa… coisa entre Jude e eu tem rolado desde o começo do verão, mas ainda não me acostumei. Estar com ela ainda faz com que eu me sinta numa montanha-russa: com o coração acelerado e um frio na barriga.
— Como assim? — pergunto, tentando forçar uma risada, mas sou a pior mentirosa do mundo e a palavra sai quase um grasnido.
Jude chega bem perto, tão perto que nossos joelhos se tocam sobre o saco de dormir.
— Tudo bem se você quiser admitir que não aguenta ficar longe de mim — ela provoca e eu tento empurrá-la, mas ela segura meu pulso e me puxa para um beijo.
Seus lábios têm gosto de hidratante labial de cereja e baunilha e, naquele momento, apenas Jude, sua boca e o jeito que ela arruma o cabelo atrás da minha orelha enquanto me beija existem.
Quando terminamos, ela sorri com as bochechas coradas e nossas pernas estão juntas sobre os sacos de dormir.
— Eu não vou porque é muito caro — digo a ela. — Como já expliquei.
— Eles te dariam uma bolsa — ela rebate. — Você é, tipo, a pessoa mais inteligente do colégio.
— Isso não quer dizer muita coisa.
Meu colégio não é horrível, nem nada, mas é gigantesco e às vezes as aulas se parecem mais com exercícios de controle de distúrbios civis. Isso é parte do motivo pelo qual eu comecei a pesquisar por colégios de elite em outros países.
Isso e meu pai ter me levado para ver Valente quando eu tinha dez anos. E o fato de que geologia, minha disciplina favorita, foi praticamente inventada na Escócia. E a maneira como eu me senti quando vi fotos de todos aqueles morros rochosos enormes rodeados por mata verde, como um cenário de contos de fadas. Tem um local chamado Applecross que eu…
Tá bom, não. Sem mais devaneios sobre isso. Já me convenci a ficar, até porque, apesar de ter sido aceita, fugir para a Escócia é insano, certo? E não é algo que as pessoas fazem. Estarei perfeitamente feliz concluindo meu último ano letivo em Pecos com Jude e meus outros amigos, Thalyta e Michel. Não faltam universidades boas para eu entrar aqui no Texas, e um colégio interno na Escócia não contará mais do que minhas notas incríveis da prova ACT e meu histórico escolar imbatível. Vai ficar tudo bem.
Mas Jude ainda está me observando com uma expressão estranha, formando três pequenas rugas em seu nariz.
— Estou falando sério, Gi — ela diz. — Se o motivo for eu ou a gente…
Ela suspira e sinto seu hálito quente próximo ao meu rosto, com cheiro do chiclete de menta e limão que ela sempre traz no bolso.
— Não é — digo novamente, puxando uma linha do tecido quadriculado do saco de dormir. — E, de qualquer maneira, não somos um nós. Quer dizer, somos no sentido de que eu sou uma pessoa e você é uma pessoa e, juntas, somos duas pessoas, o que significa que a definição gramatical de nós se aplica, mas…
Jude tapa minha boca com as mãos e ri.
— Sem tagarelar de nervoso, Gi — ela diz, e eu concordo com a cabeça e murmuro um “desculpa” abafado pela palma dela.
Esse tipo de coisa acontece às vezes, quando fico nervosa e as palavras escapam fora da ordem certa e, na metade das vezes, não são as palavras que eu gostaria de dizer, mas elas saem assim mesmo, uma enxurrada de palavras entre Jude e eu, mais uma vez.
Mas, quando ela abaixa as mãos, aquelas rugas voltam.
— Somos um nós — ela diz, entrelaçando os dedos com os meus. — Talvez ninguém saiba, mas eu sinto que faço parte de um… nós.
Com as bochechas pegando fogo, aperto sua mão de volta.
— Nós demais.
Jude volta a brincar com as pontas dos meus cabelos.
— O mais próximo de fazer parte de um nós que eu já senti com alguém — ela diz.
— Mais do que com o Mason?
Digo as palavras antes que possa pensar sobre o que estou dizendo e imediatamente quero retirá-las.Mason é o ex de Jude, o garoto que ela namorou desde o primeiro ano, e eles terminaram na primavera passada. Isso foi um pouco antes de tudo começar entre nós. Desde nosso primeiro beijo, no mês passado, sentadas no chão do quarto dela, não falamos de Mason. Tem sido fácil, já que ele ficará no acampamento de futebol ou algo assim durante parte do verão, mas às vezes imagino como vai ser quando ele voltar. Sempre gostei de Mason, mesmo sabendo estar apaixonada pela namorada dele, mas não há dúvidas de que as coisas têm sido mais fáceis entre Jude e eu sem ele por perto.
Jude recosta-se nas almofadas observando o teto da barraca.
— Não éramos um tipo de nós mesmo quando o Mason estava aqui?
Ela se vira de lado para me olhar e eu sinto minhas bochechas corarem de novo porque, bom, nós éramos, sim. Não existia nada disso de se beijar, mas ela definitivamente era minha pessoa favorita de estar por perto.
— Talvez — reconheço, e ela sorri antes de me abraçar pela cintura.
Jude me beija mais uma vez e pensamentos sobre Mason, Escócia e colégios chiques com brasões de unicórnio se dissolvem no ar quente do verão.
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Sua Alteza Real; ginessa
FanfictionGiovanna Lima fica arrasada quando descobre que sua meio-que-melhor-amiga/meio-que-namorada tem beijado outra pessoa. De coração partido e pronta para uma mudança de vida, ela decide levar adiante o sonho de estudar em terras escocesas. Quando conse...