II

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O medo da rejeição o atormentava.

Um ano antes, tinha passado por um dos momentos mais difíceis de sua vida. Seu antigo namorado, Hélio, desaparecera sem explicações. O incidente o tinha marcado profundamente e, com seus desdobramentos, estava na origem dessa e de muitas outras inquietações.

Parecia uma manhã normal de segunda-feira. Hélio, os cabelos loiros assanhados, lamentava-se agarrado a um travesseiro por causa do despertador que tocava sem parar. Depois da quarta repetição, levantou-se da cama resmungando e, com um passo arrastado, caminhou em direção ao banheiro, cobrindo a boca para segurar os bocejos. Ouviu-se o barulho do chuveiro sendo ligado. Benício, também sonolento, mexia preguiçoso no celular, ainda encolhido embaixo dos cobertores. Sentia-se aliviado por, naquele dia frio e chuvoso, não ter expediente presencial no trabalho.

Hélio saiu assobiando, abriu o guarda-roupa e começou a escolher, com ar distraído, o que usaria. Seu tronco ainda estava úmido; a única coisa que cobria seu corpo, que exalava o perfume agradável de sabonete, era uma toalha na altura da cintura. Fios de água escorriam dos seus cabelos molhados e desciam pelas costas largas através dos ombros musculosos. Benício fitava aquelas formas atraentes com desejo.

Como se tivesse a capacidade de ler seus pensamentos, Hélio olhou para trás com uma expressão severa. Em seguida, abriu um sorriso e lhe deu uma piscadela. Benício, aos risos, escondeu o rosto com o travesseiro.

Hélio tomou um rápido café-da-manhã. Não podia se estender muito por causa do horário: as avenidas logo ficariam com o trânsito congestionado e já estava suficientemente atrasado. Dormira mais do que o planejado. Isso porque, na noite anterior, haviam ficado até tarde no barzinho participando de uma celebração - o clube para o qual ele torcia havia conquistado o campeonato estadual de futebol. Chegaram em casa pela madrugada. Enquanto fazia a refeição, comentava sobre como estava ansioso para chegar ao trabalho, pois havia ganho uma aposta que fizera com os colegas sobre o resultado da partida.

Partiu, mas não sem antes dar no companheiro um beijo de despedida. Benício, enquanto o observava caminhar em direção à porta, experimentou uma sensação desagradável, um receio sem razão aparente, que o colocou pensativo e, por um breve instante, quase o impeliu a pedir ao namorado que ficasse.

Benício permaneceu em casa pelo resto do dia. No período da manhã, ocupou-se de alguns relatórios e planilhas que estavam pendentes. Pela tarde, assistiu a aulas da pós-graduação. Percebendo que estava com um princípio de febre e incomodado com uma dor de cabeça que não passava, mandou uma rápida mensagem para Hélio, perguntando se, na volta para casa, ele poderia lhe trazer alguns medicamentos. Quando as aulas terminaram, resolveu repousar um pouco.

Não percebeu quando adormeceu, mas, como o sol estava se pondo no momento em que despertou, presumiu que tivessem se passado duas horas. Como imaginava, sentia-se bem melhor. Com fome, foi até a cozinha, abriu a geladeira e, coçando a cabeça, começou a se perguntar o que faria para o jantar - queria algo diferente. Pensou um pouco e escolheu fazer um cozido de cordeiro. Reuniu os ingredientes. Na dúvida sobre algumas especificidades do preparo, decidiu perguntar ao namorado, que estava habituado com aquela receita.

Pegou o celular, abriu o aplicativo e começou a digitar a mensagem. Percebendo que as mensagens enviadas mais cedo não tinham ainda sido visualizadas, preferiu fazer uma ligação. O número, no entanto, estava fora de área.

Talvez ele estivesse com o celular descarregado, pensou. Concluiu então a receita como se recordava. Depois de comer, e enquanto Hélio não chegava, resolveu terminar de assistir um suspense que tinha deixado em pausa no dia anterior. A trama, embora tediosa no começo, tinha um bom desenvolvimento e, a partir da metade, absorveu sua atenção. Concentrado, só percebeu a passagem do tempo quando, após o desfecho, checou distraidamente o relógio - já passava das oito.

Estranhando a demora do companheiro, que não costumava se atrasar, tentou novamente contatá-lo. O número, todavia, continuava indisponível. Minutos depois, recebeu uma mensagem. O autor, um colega de trabalho de Hélio, pedia notícias dele, dizendo que ele não tinha aparecido na empresa e estivera o dia inteiro incomunicável.

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