VI

17 1 6
                                    

Quando recebeu alta, Sebastian o convidou para passar alguns dias na chácara onde residia. Benício pensou em declinar o convite, pois sentia que já tornara os dias dele por demais desgastantes, porém, como sabia que ele não encontraria sossego se recusasse, acabou aceitando. Depois de algum tempo reflexivo, chegou à conclusão de que uma mudança de ares poderia ser mesmo uma boa ideia, pois não tinha como se sentir confortável naquele apartamento onde tudo lembrava o ex-companheiro.

Os dias passados na chácara foram, em sua maioria, tranquilos. O lugar, que ficava fora da cidade, fora construído no topo de uma colina, o que proporcionava uma vista muito bonita dos vales, montanhas e florestas. Havia, na entrada da propriedade, um horto e, nos fundos, uma lagoa. Todas as manhãs, logo que o sol despontava, os dois saíam para caminhar e correr por trilhas que cruzavam as matas.

Durante essas ocasiões, eram sempre acompanhados pelos cachorros, que se chamavam Dumas e Clive. Travessos, os cães disparavam mata a dentro sempre que escutavam ruídos estranhos ou que sentiam o cheiro de algo que despertasse sua curiosidade. Depois de um bom tempo sumidos, retornavam com as patas sujas de lama, os pelos repletos de carrapichos e, nos dias de sorte, com algum osso na boca - sem dúvida roubado do esconderijo de alguma criatura da floresta - que logo se tornava objeto de discórdia porque ambos queriam roê-lo.

Benício retornava satisfeito dessas caminhadas, pois achava as paisagens bonitas e gostava do cheiro dos bosques. De volta à chácara, tomavam banho e começavam a se ocupar de outras atividades. Sebastian, tendo decidido antecipar suas férias, passava o tempo inteiro ao seu lado, monitorando-o e esforçando-se para mantê-lo com a mente ocupada. E era bem sucedido nisso.

Pessoa de muitos hobbys, havia um que ocupava um lugar especial no seu coração, a jardinagem, o que era fácil de perceber pela quantidade de plantas que existiam na propriedade: ele possuía coleções de bonsais, orquídeas, carnívoras e de muitas outras espécies. No horto, ensinava Benício a cuidar de cada uma daquelas espécies, desde a preparação dos substratos até a forma correta de fazer a irrigação e as podas.

Benício, nos primeiros dias, achava tudo aquilo cansativo e enfadonho. Com o tempo, todavia, começou a se interessar e a pegar gosto, pois percebeu que o trabalho manual o ajudava a manter afastados os pensamentos e as recordações ruins. Sebastian, com seu jeito atencioso e brincalhão, também sabia tornar aqueles momentos agradáveis.

Um dos lugares que mais gostava na chácara era a velha ponte de pedra e madeira, que ligava as duas extremidades da lagoa. Todas as tardes, depois de concluir os trabalhos no horto, sentava-se na sua borda e, com os pés mergulhados, ficava a observar os peixes coloridos através da água e os pássaros que pousavam em bando nas margens para se refrescar.

Um dia, aproveitando-se da sua distração, Sebastian aproximou-se sorrateiramente, agarrou-o por trás e, sem dizer absolutamente nada, pulou com ele da ponte. Benício saiu da lagoa encharcado, batendo os dentes e tossindo molhado. Queria esmurrar o amigo, mas antes - disse para si mesmo - precisava se secar, pois o frio que sentia parecia gelar até a sua alma. Sentia o calor se esvaindo de cada fibra do seu corpo. Sua ira, no entanto, passou rápido, pois não conseguia sentir raiva dele por muito tempo. Minutos depois, estavam rindo juntos.

SEBASTIANOnde histórias criam vida. Descubra agora