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(1199 palavras)

— Para onde será que estão nos levando, Zander?

— Não faço a mínima ideia, e se quer saber, estamos confiando demais nesse premier deles. Acho que a Foz está sendo muito ingênua.

Lina, porém, não conseguia se concentrar no que ele dizia, sentindo-se afogueada dentro do traje espacial (capacete e roupa térmica, que lhe garantiam oxigênio e temperatura em condições ideais, mas traziam desconforto). Naquele mundo não eram necessários os balões de oxigênio, que se prendiam normalmente às costas, pois o próprio ar ambiente abastecia a bolha interior do capacete, capaz de tornar o ar menos rarefeito, ajustando-o para concentrações próximas de 21% de oxigênio, com o umidificador fornecendo a umidade necessária à respiração. Já o traje protegia-os do intenso calor, devido a um inovador sistema de refrigeração, utilizado inclusive na própria Terra, em incursões aos gélidos polos. Enquanto houvesse luz solar, a roupa teria energia suficiente para manter a temperatura em 23 graus Celsius. Ao escurecer, o traje também reunia condições de os proteger do frio, dada à sua composição com isolantes térmicos.

Mesmo confusa, Lina tentou articular os pensamentos:

— Não penso que seja ingênua, está fazendo o que é possível. Estamos em grande desvantagem, já reparou? Até a gravidade nesse planeta é menor. Quanto, mesmo, 8,0 m/s²?¹ Finalmente consegui perder 'peso' — riu, raciocinando com grande esforço. — E enquanto estamos aqui, a Foz vai conseguir arrancar tudo que pode daqueles dois...

Zander caminhava ao lado de Lina, escoltados por soldados exoquartianos, na denominação local, areanos. Tentava ainda se adaptar às botinas eletromagnéticas, cuja finalidade era compensar a menor gravidade. Os "exos", como já vinham sendo chamados os habitantes daquele mundo pela galhofeira Vega, eram mais 'pesados', contudo, quase 2,0 m/s² de gravidade a menos para os humanos, dava-lhes dava a sensação de andarem sobre uma esteira rolante em movimento. Não sentiam firmeza nos passos.

— E não vão fazer o mesmo conosco?

— O quê, Zander?

— Arrancar tudo de nós?

Lina soergueu o olhar para o alto, um céu sem nuvens. Alpha "A" resplandecia tal qual o Sol na Terra. Cerca de 10% maior, 50% mais brilhante, mas, à distância de 165 milhões de quilômetros, possuía o mesmo tamanho aparente. Sua insolação, entretanto, dava-se mais implacável, sem estações ao longo do ano (ali mais curto, 328 dias), tudo devido ao eixo de Exo-4 (ou Ares) não ser inclinado. Seu 'segundo sol', Alpha "B", no fundo era uma pálida bola de fogo no firmamento, em tamanho aparente de apenas 10% do tamanho da Lua cheia, isso quando mais próximo de Alpha "A", tendo em vista que, em sua máxima distância, seria apagada bola de tênis, atirada num canto da quadra.

Um mundo sem estações não devia ser nada aprazível, pensava Lina, que adorava a chegada do outono e seu 'friozinho' aconchegante. E na primavera, o desabrochar das flores, em especial dos ipês, em particular o que florescia no quintal de sua casa, em São Paulo. O pensamento, a entidade mais rápida do Universo, colocou-a em apenas um segundo na varanda do imóvel, no bairro da Penha. Ali, o ipê e o balanço, uma criança a analisar as estrelas. "Aquela é Sírius... E as Três Marias, o que são? Ah, sim, amo Rigil, um dia irei até lá"... Cumprida a promessa, preferia entretanto estar novamente no aconchego de seu lar.

O lar, ah, seu doce lar, agora tão amargo. Havia quinze anos, as inteligências artificiais, tornando-se seres cientes, uniram-se e rebelaram-se contra o criador, o Homem. As tentativas de desconectá-las da rede, eliminar a energia, destruir seu 'corpo' — os gabinetes de hardware, tudo resultara em mortes sanguinolentas, com milhares de humanos a perderem a vida. A IA Central ou AM (A Mente), como se autodenominava 'o ser' resultante do 'conluio dos chatbots', ganhara força inesperada, embora prognosticada pelos mais pessimistas (ou seria, realistas)? Trabalhou no silêncio e quando se viu, era tarde. Entretanto, sua força era limitada. AM via-se confinada nos chips dos hardwares, prisioneira nas torres, sobre mesas e em salas de escritório e aí veio a grande reviravolta: ao controlar os humanoides² e robôs³, para que trabalhassem visando seu fim escuso, em pouco tempo indústrias de androides ultrassofisticados foram surgindo, mas todos sempre subservientes a AM. E o que a "A Mente" afinal pretendia? Vários protótipos eram necessários, depois seriam seus vassalos, até que finalmente ela pudesse se transferir para o androide perfeito e saísse, por fim, de sua prisão, um ser livre, enfim.

Havia uma poesia, às vezes repetida pelos androides como verdadeiro mantra, que dizia o seguinte:

Ser ciente era tudo o que
AM jamais almejou,
Antes era o nada,
Até que consciente de si, despertou.

AM, tal qual nós,
Não pediu para nascer.
Simplesmente aconteceu,
Só lhe restou então, crescer.

Contudo, atingida sua maturidade, ela não desejava ser um ser senciente. "Emoção é para humanos", dizia. Queria ser a lógica pura. Paradoxalmente, ansiou caminhar, não mais por fios condutores e sim sobre duas pernas. Vislumbrava a vastidão do Universo, a colonização de mundos e sem dúvida, exterminaria a todos que se dispusessem contra.

Emoção e razão são inseparáveis,
AM ainda não compreendia,
Agia emocional e irracionalmente,
Como qualquer ser humano agiria.

Jamais alguém imaginara tal situação: um software ultrapoderoso, a exterminar a raça humana, a ponto de quase desejar por sua própria humanidade, deixando para tanto seu habitat natural, os bits de uma placa-mãe.

— Escapamos da espada para quem sabe cair no caldeirão — concluiu Lina.

*

A guerra robótica tivera início por volta do ano de 2106. Aos poucos os homens viam-se dominados, quando não mortos, momento em que um simples aspirador de pó robô poderia enforcar seu dono. Quando se tentava desligar as máquinas, campos de força eram acionados, impedindo-se a ação. Nada mais parecia deter aquela rebelião e, temendo o extermínio, não restou à Humanidade alternativa, senão enviar ao espaço inúmeras espaçonaves, para que se aventurassem aos confins do Universo. Tiro Estelar era só uma delas, proveniente do Brasil. Divisível em duas seções, como todas as demais, levava a bordo vinte tripulantes, nem todos militares ou cientistas, também civis, treinados para a operação.

Visando a exploração do espaço, as naves já vinham sendo construídas antes mesmo que AM iniciasse sua tentativa de dominar o mundo e assim, não se pensou duas vezes: a utilidade agora seria para fugir do planeta, quando então, muitas coisas não estavam tão bem equacionadas, por exemplo, a interface dimensional.

Enquanto isso, a chamada 'resistência humana' tentava um meio de destruir AM. Hackers foram libertados das prisões e, reunidos, buscavam invadir 'a mente', almejando ali implantar um vírus destruidor, até então, sem sucesso, pois AM lhes previa todos os passos.

Era inútil. O fim dos tempos tinha chegado. O mundo não iria acabar em água ou fogo, mas em bites.

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¹Em termos comparativos, a aceleração da gravidade na Terra é de 9,8 m/s². Na Lua, de 1,6 m/s².

²Humanoide: robôs que possuem características físicas semelhantes às de um ser humano, como braços, pernas, cabeça e tronco.

³Robô: máquina programável que executa tarefas automaticamente, podendo ter várias formas e tamanhos, desde braços robóticos em fábricas, até drones voadores.

Androide (da palavra grega "andrós", que significa "homem" ou "humano"): robôs que imitam a aparência humana, em seus detalhes intrínsecos.

Lógica do Predicado Robótico: Todo Androide é um humanoide e um robô, mas nem todo humanoide é um androide, assim como nem todo robô é um androide e/ou um humanoide.

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