Naquela noite, no oeste, uma estrela cadente caiu no solo fértil da Floresta de Encantaria; era uma criança branca, pálida, de cabelos e olhos escuros, cujo olhar repleto de pureza poderia romper qualquer sentimento ruim de quem a olhasse. Com sua queda, provocou uma cratera, mas não se feriu com o impacto. Estava às margens da nascente de Aquarian sob a luz esplêndida da ave prateada. Ela passou a noite admirando aquele lindo brilho, enquanto do solo brotaram diversos vegetais que a envolveram carinhosamente, protegendo seu corpo do vento gélido. Aquelas chamas prateadas não eram quentes, e sim refrescantes.
Os animais, anteriormente adormecidos, despertaram ao sentir a presença da bebê, admirando-a de uma distância respeitosa. No entanto, não demorou para que, entre eles, surgisse Guhiaza. A loba imponente, maior do que todos os animais reunidos ali, ostentava pelos cintilantes, refletindo o brilho prateado do céu.
Na boca, a canídea carregava um balde contendo um elixir especial proveniente de Funkia, a Búfala Sagrada. A lenda conta que sua essência, rica em nutrientes e vitaminas, foi absorvida pela natureza, transformando-a em uma estátua. De suas tetas, jorrava o leite em uma nascente próxima, abastecendo todo o mundo. Esse elixir fluía das nascentes de Funkia, percorrendo o riacho leitoso da Búfala até desaguar no rio de Aquarian. Ao longo desse trajeto, dissolvia-se, carregando consigo nutrientes que impulsionavam o crescimento e conferiam habilidades especiais a alguns seres vivos.
Tomar o leite puro conferia uma energia abundante, grande inteligência e outros benefícios conforme seu corpo se desenvolvesse. Guhiaza deixou o balde de elixir próximo à bebê e deitou ao seu lado até o final do ciclo noturno, quando a ave prateada desceu dos céus. A loba fez uma reverência, seguida pelos outros animais que se retiraram respeitosamente.
As chamas prateadas acolheram a pequena, envolvendo-a com uma carícia celestial que a fez sentir-se imensamente confortável. Sob essa luz divina, ela foi alimentada com o elixir da búfala sagrada, entregando-se ao doce sono durante o fulgor do dia. Foi durante esse repouso tranquilo que uma transformação mística ocorreu.
Ao despertar na quietude da noite, seus olhos reluziram com o brilho prateado, refletindo a luminescência das chamas que a envolviam. Seus cabelos, antes mergulhados na escuridão, capturavam os raios prateados, transformando-se em reflexos da própria magia que a protegia. Enquanto a ave desdobrava suas asas e ascendia aos céus, a imponente loba, mais uma vez, surgiu. Recolhendo o balde vazio, ela retornou com ele repleto de leite. Ao lado da pequena, a loba contemplou a resplandecente luz prateada, enquanto os demais habitantes da floresta entregavam-se a um sono tranquilo e sereno.
Após alguns ciclos, a loba presenteou-a também com as águas de Aquarian, enriquecidas não somente com as propriedades místicas do leite da búfala, mas também com características únicas, incluindo a virtude da serenidade. Talvez devido à nascente situar-se abaixo da ave de prata, essas águas possuíam o poder da calmaria; quem delas bebia não mais se desesperava, obtendo a tranquilidade necessária para lidar com qualquer situação. Além disso, essas águas carregavam consigo o poder da cura, eficaz tanto para feridas internas quanto externas.
Contudo, o leite e a água se mostraram suficientes por apenas alguns ciclos, e a bebê, que crescia rapidamente e robusta, necessitava de mais. Os habitantes da floresta então a presentearam com uma variedade de frutas, cada qual com suas particularidades. Deliciou-se com todas, mas tinha um apreço especial por bananas, que saboreava com prazer, muitas vezes acompanhadas do leite que tanto apreciava.
A loba uivou alegremente quando a pequena, já com dois anos, deu seus primeiros passos. Os animais festejaram, e a ave, dos céus, celebrou presenteando o mundo com uma luz extraordinariamente bela naquela noite. Não demorou muito mais, e aos três anos, a criança começou a nadar alegremente pelo riacho, com a loba gigante observando à beira d'água, sendo auxiliada e guiada pelos peixes da região.
Quando a jovem completou treze anos, vestiu-se com um longo casaco cinza, confeccionado com a pele de um lobo ancião que a presenteou antes de sua morte, ocorrida após um uivo solene para Guhiaza, que não só era a loba alfa de sua matilha, mas rainha da floresta de Encantaria.
Naquele dia, a jovem, com seus longos e esvoaçantes cabelos, caminhava tranquilamente e em silêncio. Estava prestes a se recolher, aguardando a ave descer, quando tanto ela quanto a loba e todos ali foram surpreendidos por um grito distante vindo da direção leste. O nascer do dia assumiu uma atmosfera diferente, marcada pela ascensão de um globo de chamas douradas no lugar do pássaro dourado. Contudo, a jovem não compreendeu. Olhou desconfiada para sua ave guardiã, que desviou o olhar, aparentando apreensão. Até mesmo Guhiaza se afastou, exibindo preocupação.
A loba rosnou ameaçadoramente quando uma figura calorosa como o dia se aproximou: vestes brancas, olhos e cabelos dourados, com uma coroa de louros na cabeça. A jovem, escondida por detrás da pata traseira esquerda de Guhiaza, admirou a cena. Ambas possuíam o brilho prateado, facilitando a ocultação, mas aquele jovem, com uma ambiguidade entre o humano e o divino, a intrigou. Contra a vontade da loba e da ave no céu, ela se revelou e dirigiu-se a ele. No entanto, do céu desceram as chamas prateadas, formando um muro entre eles. A jovem olhou com tristeza, desejando poder chegar até ele.
— Não há razão para temer! — ele afirmou, balançando o braço e transformando dourado o muro de chamas, extinguindo-o em seguida. — Meu nome é Solaro! — apresentou-se solenemente.
A ave desceu dos céus e envolveu a jovem com suas asas, piando ameaçadoramente para o indivíduo, enquanto a loba ao seu lado rosnava, a saliva escorrendo entre suas presas. A jovem, no entanto, nada entendia dos sons emitidos por ele, pois sabia apenas falar na língua dos animais. Ela piou para a ave e uivou para a loba, mas ambas não estavam dispostas a facilitar aquele encontro.
Solaro então elevou-se ao céu, assim como o globo de chamas douradas que havia surgido no leste. Abriu os braços, e como um espectro, a imagem do pássaro de fogo manifestou-se, desdobrando as asas fulgurosas em suas costas. Entoou uma bela melodia, e a ave de prata liberou a jovem. Guhiaza, contudo, permaneceu rosnando, sem intervir no que estava prestes a acontecer.
O senhor da luz estendeu-lhe o braço, e a garota prontamente ofereceu-lhe a mão. Naquela noite, ela não dormiu; passou horas na companhia do jovem rapaz, que, aos poucos, lhe revelou a verdade: ela era uma humana nascida naquele mundo para realizar grandes feitos, e ele acreditava que ela compartilhava o mesmo destino. Ao longo dos dias, ele lhe ensinou a falar como um humano, mesmo que ele próprio tivesse aprendido a língua dos homens com um leão.
Algumas semanas após o primeiro encontro, que passou a ser diário, a jovem já dominava a fala humana e acreditava plenamente em seu destino. Ao cair da noite, ela montou nas costas da Fênix prateada, o nome que aprendeu com Solaro. Do alto da nascente, na companhia da majestosa ave, contemplou o vasto e belo mundo diante de si, percebendo que havia muito mais a descobrir. Seus olhos tinham a capacidade de enxergar além, vislumbrando o mundo dos humanos, um lugar repleto de bondade, mas também marcado por maldade. Era um cenário de constante conflito, onde o bem e o mal duelavam, feriam-se, odiavam-se e até mesmo matavam-se.
Emoções intensas tomaram conta dela, e lágrimas foram derramadas acima da Fênix. Ambas brilharam intensamente, como se estivessem prestes a explodir. Logo, transformaram-se em uma só. Naquela noite, o céu permaneceu iluminado por uma lua cheia e vivida, enquanto a garota desceu com asas, trazendo consigo o espectro da Fênix de prata em suas costas. Em prantos, dirigiu-se a Guhiaza e proclamou:
— A partir de hoje, serei conhecida como Lúmina, A Senhora da Noite, detentora das Chamas Prateadas. Outros nomes e desafios surgirão, mas peço que estejas comigo, acompanhando-me nesta difícil jornada.
Lúmina exalou um resplendor deslumbrante sobre Guhiaza, e a loba se curvou, seguida por todos os animais do oeste. Estava preparada para o seu destino, elevando-se como algo grandioso e poderoso, pois, naquela noite, renasceu como a deusa lunar.
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Caminhos Divinos: Crônicas do Panteão Místico
FantasyEm um universo onde as estrelas dançam ao ritmo de divindades antigas, mergulhe nas páginas de "Caminhos Divinos". Descubra os seres sagrados de Divinel, suas origens entrelaçadas com a essência cósmica e o árduo caminho que percorreram para ascende...