Ao norte de Divinel, uma estrela cadente caiu, trazendo consigo um bebê; seus cabelos e olhos, escuros à noite, contrastavam a palidez fria de sua pele. Seu olhar era profundo e penetrante, e seus lábios rosados raramente abriam um sorriso. No deserto congelado de Dianil, o frio era intenso, mesmo que não fosse propriamente inverno ou outono. Na verdade, naqueles tempos longínquos, o mundo ainda não conhecia as estações do ano, mas, ainda assim, aquele lugar carregava as características invernais mais severas.
Como poderia sobreviver um recém-nascido nu e desamparado? A resposta veio na forma de um grandioso urso polar: Urs. A cada passo, ele fazia a terra sacudir. Tremia tanto que o infanto era arremessado para cima e caía de volta na neve, causando-lhe ferimentos. No entanto, o robusto bebê não chorava; em vez disso, ele encarava o brilho distante de um pássaro dourado no céu. Desejava alcançá-lo, mas não podia. Erguia seus quase congelados braços, esticando seus pequenos dedos, mas a meta parecia inatingível.
Quando Urs, o urso, aproximou-se do bebê, olhou-o com compaixão e cuidadosamente abaixou-se, erguendo-o com a ponta de seus dedos e colocando-o gentilmente na palma da mão. A chegada do urso foi oportuna, pois uma tempestade de neve estava prestes a começar. Urs, então, dirigiu-se a Tancan, a imensa caverna sagrada, onde várias espécies já se abrigavam da tempestade, e mais começaram a aparecer.
Pensamentos como matar não existiam naquelas terras. Urs, então, pegou um cervo morto e, com a ajuda de um pedregulho afiado, arrancou-lhe a pele. Isso foi suficiente para criar um manto para o bebê. Com os ossos do animal e o que restou de pele, construiu um berço. O bebê sentiu gratidão e desenvolveu um carinho especial por Urs, como um filho ama aos pais. Embora tenha sorrido pela primeira vez, achou estranha a sensação e logo parou. No entanto, Urs correspondeu ao sorriso e saiu em busca de alimento.
Mais tarde, retornou trazendo consigo frutos reluzindo a ouro. A cor exuberante trouxe uma nova alegria ao bebê, que ficou ainda mais contente quando ganhou um pedaço. Aquele que consumisse o fruto dourado teria uma visão extraordinária, capaz de enxergar muito além dos demais, contudo, isso só ocorreria se o coração desejasse tal visão. O bebê, no entanto, não conseguiu consumir todo o fruto devido à falta de dentes e acabou tendo uma cólica terrível. Gritou de dor por horas, mas não chorou, mostrando sua força interior.
Os outros animais, incrédulos com a falta de discernimento do urso, explicaram-lhe que o bebê era um mamífero e necessitava de leite. Mesmo que Urs devesse estar ciente disso, sua condição de macho e o isolamento habitual em que vivia o impediam de ter contato com outros de sua espécie. No entanto, ele conhecia alguém que poderia ajudar: Polária, uma vaca envolta em pelos grossos e macios, cujo leite era uma fonte de resistência.
O bebê passou a ser alimentado com o leite da Polária e eventualmente hidratado e banhado com as águas submersas do lago congelado de Dianil. Mas mesmo naquele lugar gélido, tinha árvores e frutos na floresta da Neve Eterna, não muito distantes do deserto de gelo onde Urs uma vez colheu os frutos dourados.
Dessa vez, o urso colheu as maçãs de gelo, com sua tonalidade intensa de azul, porém, surpreendentemente suculentas e saborosas como qualquer outra maçã. Com o tempo, o menino continuou a crescer, tornando-se cada vez mais curioso e desobediente, o que deixava Urs furioso sempre que ele decidia sair sozinho.
Aos treze anos, o jovem rapaz aventurou-se secretamente durante a noite, contemplando o pássaro prateado. Ao contrário da luz do dia, ele não sentia inveja, mas sim um desejo peculiar, algo que ainda não compreendia. Suas vestes já não serviam adequadamente, e embora tivesse desenvolvido tolerância ao frio, não desejava permanecer nu. Partiu em busca de algum animal morto, porém, sem sucesso. No entanto, deparou-se com um tigre branco, vivo e esplêndido. Ele admirou o majestoso felino de uma distância segura, sem sentir medo. Caminhou em sua direção enquanto seus longuíssimos e ensebados cabelos pretos voavam com o vento cortante do norte.
Ele avançou com as mãos nuas e segurou o tigre pelo pescoço, demonstrando uma força surpreendente ao erguê-lo. Com determinação, apertou com todas as suas forças, ceifando a vida da majestosa criatura. Logo após, despiu o animal de sua pele, manchando-se de sangue. Movido por uma curiosidade insaciável, não resistiu à tentação de extrair também a carne. Preparou uma fogueira, onde a assou e consumiu à beira do fogo. O sabor inebriante foi acompanhado por uma sensação única que o envolveu enquanto contemplava o luar prateado.
O jovem, insatisfeito e ávido por mais, experimentou uma sensação estranha naquela noite, um aperto no peito, como se fosse rejeitado pela própria terra, pelo ar, por tudo ao seu redor. Com o olhar perdido na direção leste, onde o sol despontava, percebeu que sua visão ultrapassava os limites do local, avistando outro jovem humano fundindo-se com o pássaro dourado. Inveja e raiva o consumiram e, num piscar de olhos, um abismo se abriu sob seus pés.
Urs não teve tempo de alcançar o rapaz, que foi sugado pela neve, deixando o urso sentado à beira do buraco. Ele rugiu em lamento, reunindo vários animais ao seu redor, incluindo Polária, numa tentativa de consolá-lo, pois o jovem estava perdido, talvez para sempre.
Enquanto caía, expulso da terra natal, transgrediu os limites de um firmamento até então imaculado, permeando o mundo dos humanos. Durante a queda, o profanador vislumbrava todo aquele reino, absorvendo e retendo seu conhecimento e idioma. A partir desse ponto, poderia falar, mas não teve a chance, pois esse mundo também não era para ele. Foi arrastado para um buraco negro e caiu em um espaço escuro e sem vida. Lá, deparou-se com uma luz vermelha e intensa aumentando gradativamente, clareando todo o ambiente. Incrédulo, porém, sem inveja em seu coração, vislumbrou um pássaro exibindo chamas carmesim radiantes e belas. Sem medo, ergueu seu braço, inicialmente com a intenção de acariciá-lo, mas sua atitude tornou-se audaciosa e ambiciosa.
— Me dê o seu poder! — proferiu em tom imponente.
As primeiras palavras que saíram de sua boca foram um clamor egoísta, mas o pássaro, de algum modo, achou graça naquela humanidade gananciosa e até mesmo nutriu algum apreço por ela. Sabia que o destino os uniria, permitindo-lhe governar aquele mundo por meio da fusão com o mesmo. Atendendo ao seu desejo, o pássaro soltou um grito, enquanto dobrava suas asas em um abraço profano, o envolvendo por completo. Dentro das chamas, o rapaz experimentou um calor intenso e um poder ainda maior, enquanto vestes vermelhas surgiram como uma força destruidora, uma extensão das chamas carmesim que desintegraram seu casaco, substituindo-o. Seus cabelos, agora desembaraçados e limpos, balançavam com imponência divina, acariciados pelos ventos corruptos do submundo.
Tornava-se, enfim, um homem no cume de uma montanha íngreme, em uma ilha distante no meio de um mar de sangue. Pelo reflexo na água, contemplou os mundos acima e novamente sentiu inveja ao ver as divindades do dia e da noite entrelaçando um beijo; Solaro e Lúmina eram seus nomes. Um grito de ódio ecoou, ele abriu os braços e se elevou; a Fênix Vermelha surgiu como um espectro em suas costas. Finalmente, proclamou:
— A partir de hoje, eu, Zutur, sou o Governante Supremo do Caos, e todas as criaturas das sombras se curvarão perante mim. Um dia, nós havemos de ascender ao mundo dos humanos e o dominaremos; em seguida, subiremos a Divinel para retomar o meu lar.
Sob o efeito da voz profunda, os seres corruptos do submundo se reuniram ao seu redor e se curvaram perante ele. Não muito depois, centenas de barcos se agruparam ao redor da ilha chamada Takal, neste mar de sangue conhecido como Sangriox.
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Zutur, o Senhor do Caos, também é um personagem marcante na jornada de Thura, no e-book "A Filha do Caos", atualmente disponível na Amazon."
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Caminhos Divinos: Crônicas do Panteão Místico
FantasyEm um universo onde as estrelas dançam ao ritmo de divindades antigas, mergulhe nas páginas de "Caminhos Divinos". Descubra os seres sagrados de Divinel, suas origens entrelaçadas com a essência cósmica e o árduo caminho que percorreram para ascende...