1
Dois cavaleiros das sombras caçavam implacavelmente Salomão. O ruído dos cascos ecoava na noite silenciosa, contrastando com os clamores dos soldados que se aproximavam. Salomão, exausto, sentia o peso de suas pernas como se fossem toneladas, correndo por horas enquanto os sons se tornavam cada vez mais ameaçadores.
À medida que seu destino inevitável se aproximava, pensamentos sombrios e emoções confusas cresciam gradativamente. Questionamentos sobre o tipo de sofrimento que o aguardava ecoavam em sua mente: seria torturado pelo elemento das trevas a ponto de enlouquecer? Ou seria um fim rápido, uma lâmina rasgando seu pescoço em um instante? De qualquer maneira, Salomão estava prestes a desvendar seu destino.
Subitamente, suas pernas o traíram, e o garoto desabou no chão. Tentou se erguer em vão, como se estivesse paralisado ou seu corpo tivesse desistido de lutar.
Olhando para trás, sob um céu que antes exibia uma calma paleta de azuis serenos, agora tingido por nuvens testemunhas das atrocidades feita pelos Noxianos, Salomão avistou dois cavaleiros com armaduras escuras e manchadas de sangue. Ambos avançavam erguendo suas espadas. O jovem percebeu as faces malignas ocultas pelos elmos, mas algo estava errado... não poderia ser verdade... um deles era Hector! Ou, pelo menos, algo que se assemelhava a Hector, com grande parte de seu rosto descamando e exalando um odor pútrido. Antes que Salomão pudesse articular qualquer palavra, Hector baixou rapidamente a espada em direção ao seu pescoço. E então... acordou.
2
Salomão respirava freneticamente, seu coração pulsava descompassado, como um tambor em uma festa animada.
A escuridão envolvia a caverna, a fogueira apagada deixava apenas sombras, e a visão de Salomão estava limitada. Seus olhos, como se guiados por um impulso automático, procuraram por Mayumi. Na tênue luminosidade proveniente do exterior, Salomão divisou a jovem de pé, inclinada, afastando-se lentamente da caverna.
Num impulso instintivo, Salomão tentou correr em sua direção, mas suas pernas se recusaram a obedecer, travadas como no pesadelo anterior. Buscando outras alternativas para alcançar a garota, ele tentou gritar, mas estranhamente nenhum som escapou de seus lábios. O silêncio reinava, até mesmo o murmúrio do vento, que costumava trazer reminiscências de um lar perdido, estava ausente.
A perplexidade dominou Salomão. Estaria ele surdo? O que estava acontecendo? Imóvel, mudo e surdo, ele se via incapaz de agir. A ideia de que talvez não fosse mais um pesadelo assombrou sua mente; talvez aquela fosse sua existência após a morte, uma escuridão sem fim, onde a visão era o único sentido restante para testemunhar Mayumi encontrando o mesmo destino trágico de seu mentor.
Entretanto, por um milagre, Salomão começou a recuperar gradualmente seus sentidos: os sons noturnos dos insetos e pássaros começaram a penetrar em seus ouvidos. Suas pernas, aos poucos, retomaram o movimento, o sangue fluía novamente para as extremidades e, com esforço sobre-humano, ele se ergueu, pegou a bússola e se dirigiu à saída da caverna.
O único sentido que permaneceu inalterado foi a visão. Do lado de fora, a escuridão era profunda, a luz da lua encoberta por nuvens espessas. Salomão encontrava-se imerso em uma noite enigmática, mergulhada nas sombras.
Salomão agarrou a bússola e, com esforço, tentou decifrar sua orientação. No entanto, ao olhar para ela, sua perplexidade aumentou: os ponteiros giravam freneticamente. Poderia ser outro pesadelo, pensou novamente. Contudo, um feixe de luz adiante revelou um corpo caído ao chão: Mayumi. Seu coração disparou como um tambor.
Percebendo a presença da moça no solo, Salomão estava repleto de inquietação. Estaria ela morta? Antes que pudesse correr até ela, sua trajetória foi interrompida por alguém que permanecia junto a Mayumi. Na escassa luz, Salomão não conseguia identificar o estranho, exceto pela capa escura e capuz longo. Curiosamente, dois pontos de luz verde brilhavam onde o rosto deveria estar, sendo o da direita mais tênue que o da esquerda.
— Quem é vo-você? Saia de perto dela! — gritou Salomão, com a voz trêmula. Suas pernas fraquejavam, a respiração agitada e as entranhas se contorciam, como se tivesse levado um soco.
— A questão é... quem é você? — respondeu uma voz masculina, calma e firme.
— Eu... eu... — Salomão esforçou-se para controlar a respiração e prosseguiu, buscando firmeza — Não importa quem sou eu... afaste-se dela e não irei te machucar.
— Ha... ha... ha... — a figura misteriosa parecia soltar risos desanimados — Vejo que gosta muito dela, não? — continuou com tranquilidade — É de se esperar, ela é muito bonita — enquanto falava, a figura se abaixou e pousou uma das mãos no rosto de Mayumi.
— NÃO TOQUE NELA! — rugiu Salomão, rompendo o silêncio da noite.
Um surto de coragem tomou conta do rapaz, que avançou correndo em direção à figura. Seus olhos adquiriram um azul intenso, e Salomão percebeu que o indivíduo usava uma máscara, com os dois pontos de luz verde emanando de seus olhos.
Num instante repentino, Salomão viu-se restrito a pouca distância do mascarado, seus braços detidos por uma força invisível que o impedia de alcançar o alvo. Ao virar-se, deparou-se com outras duas figuras tenebrosas, igualmente mascaradas como o homem diante dele, e para sua surpresa, eram idênticas entre si.
— Ha... ha... ha! Você é sempre explosivo desse jeito? Vai acabar morrendo se não tomar cuidado — subitamente, a única voz que o interpelava multiplicou-se, e aqueles que o seguravam emitiram sons, replicando a voz do mascarado à sua frente, tornando-a mais potente e aterrorizante.
O mascarado deixou Mayumi para trás e aproximou-se lentamente de Salomão. A lua, timidamente, reapareceu, permitindo que Salomão visse os detalhes da máscara: estava toda rachada e marcada, o lado direito fundido com a pele do rosto, a abertura da boca assimétrica e gradeada, como se fosse esculpida manualmente com uma faca. Por trás da máscara horrenda, um gigante sorriso destacava-se, contrastando com o olho esquerdo frio e malévolo, como se ansiasse pela morte.
Salomão esforçou-se para libertar os braços, mas uma exaustão súbita tomou conta dele. Tão fatigado que seus olhos voltaram a ser castanhos, e seus poderes desapareceram.
— Me mate, mas deixe-a viver! — implorou o rapaz, desesperado.
— Não, você não manda em mim... hahaha... irei matar os dois... — o mascarado aproximou-se de Salomão, exibindo um sorriso mais sinistro do que nunca, enquanto seu olho esquerdo continuava expressando frieza e desejo de morte. — Não... agora... na verdade... irei salvá-los... em troca de algo...
— Não v-vou lhe dar nada — respondeu Salomão, sua voz frágil.
— Então, está bem — o mascarado ergueu a mão até o nível do rosto, e de repente, Mayumi levantou-se. No entanto, não era como se ela se erguesse por vontade própria; parecia estar sendo manipulada, semelhante a um boneco de fantoche sem cordões. Seus olhos estavam brancos, e a boca entreaberta, como se estivesse em transe.
— N-NÃOO... eu faço o que você quiser! — gritou Salomão, seu coração batendo descontroladamente.
— Ótimo! — ainda com um sorriso no rosto, o mascarado baixou a mão, e Mayumi caiu abruptamente no chão. Salomão estava imerso em uma mistura avassaladora de emoções: medo, raiva, tristeza sem fim. — Está vendo aquela estrela? — apontou para um ponto brilhante a oeste, desobstruído pela neblina — Siga em direção a ela, sem parar, não olhe para trás... eu surgirei novamente — seu olhar esquerdo focou intensamente Salomão, soltando uma risada abafada, antes de desaparecer junto com os outros dois mascarados.
Salomão caiu de rosto na terra e, incapaz de se levantar, começou a chorar. Seu olhar se voltou para Mayumi, que parecia inerte, e então... acordou.
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As crônicas da luz e das sombras - Ascensão das Trevas
FantasyPeço ao leitor que lerá este livro que não confie nos personagens. Este livro conta sobre um mundo, atormentado por guerras, horrores e sofrimento. Não muito diferente de seu mundo, estou correto? A diferença é que nesta história, as pessoas podem n...