O início de uma tradição

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O segundo movimento foi de Fit.

A transportadora resolveu o problema dos móveis e eletrodomésticos sumidos dois dias depois dos tupperwares serem deixados em sua porta. Fit ficou tão aliviado em finalmente concluir aquela parte da mudança que no mesmo dia correu até o mercado enquanto o filho estava em aula e deixou a paixão pela cozinha dominar sua tarde.

Ele sempre amou testar receitas e aprender novas técnicas. Sua avó o havia criado enquanto a mãe trabalhava, e a idosa tinha um livro de receitas enorme – um dos únicos tesouros de família que Fit fizera questão de levar pra casa nova.

Cozinhar lhe trazia paz.

Preparou um molho caseiro de tomate, deixando o fruto ferver lentamente com a tampa da panela apoiada no cabo, fechando apenas metade dela. Descascou o alho, cortou cebola em cubos minúsculos e cozeu linguiças antes de cortá-las ao meio e colocar na frigideira para selar.

Aproveitou que Ramón saia mais tarde naquele dia, por causa das aulas de libras que a escola oferecia após o horário regular, e decidiu botar seus dotes culinários realmente em jogo. Juntou farinha, ovos e sal em uma bacia, misturou até formar uma massa lisinha e, pela próxima uma hora, abriu, dobrou e cortou até estar com uma boa quantidade de macarrão fresco e comprido na bancada.

Enquanto botava a água pra ferver, o olhar do homem decaiu sobre os potes em cima da mesa, reparando que o pirex e os dois outros potes do vizinho estavam ali ainda, lavados e secos, esperando para voltar para casa. Fit estava quase decidido a ir tocar a campainha quando uma lembrança o invadiu, a voz da mãe e da avó soando claras em sua mente. Com um sorriso, Fit decidiu cortar mais alguns fios e macarrão a fim de retribuir o favor.

*

Quando Pac chegou do trabalho naquela noite, exausto depois de lidar com experimentos científicos, encontrou seu pirex e os tupperwares de volta na mesinha de porta do lado de fora do apartamento. A constatação o fez rir alto: ele definitivamente não estava esperando ver os potes novamente, e não se importava se o vizinho simplesmente tomasse-os para si.

Mas ali estava a sacola de mercado, com um bilhetinho preso por um adesivo do homem aranha:


Obrigada pela recepção!

Eu e meu filho agradecemos pelo almoço no outro dia,

Minha mãe e minha avó me ensinaram a nunca devolver um pote vazio. Espero que macarrão com linguiças seja do seu agrado!

Você é um cozinheiro incrível!

-Seu vizinho de porta


Pac sentiu as bochechas corarem levemente enquanto encarava a caligrafia bonita e curva, uma enorme diferença das letras em garrancho que ele usava. Ele definitivamente não se sentia um bom cozinheiro. Sempre achou que as comidas que cozinhava eram medianas – saborosas, sim, mas nunca complexas ou muito detalhadas. Nunca incríveis.

Entrou em casa, levando os potes consigo, e cumprimentou o gato laranjinha assim que o bicho esfregou as costas contra a perna dele. Por alguma razão, sentia uma ansiedade no pé do estômago, mas não era ruim: pelo contrário, deixava-o animado, como quando era criança e a turma dele e de Mike tinha passeio na escola – uma expectativa de se divertir, de fazer algo diferente.

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