Conversa entre amigos

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É engraçado como pequenas coisas, que começam por um movimento aleatório de uma pessoa, logo se tornam parte de uma rotina diária. Foi assim com Pac e Fit: primeiro a troca de bilhetinhos, cartas e comida, depois os encontros semanais na piscina do prédio durante os fins de semana...

E então, os cafés diários na casa um do outro.

Veja bem, Pac não planejava iniciar outra tradição com o vizinho. Mas, na terça feira, logo após passarem o fim de semana juntos, Fit tocou a campainha e estendeu uma tupperware com salgadinhos de festa caseiros, já prontos e congelados, precisando apenas fritar. E, em vez de apenas aceitar a mudança de modus operandi, Pac segurou o pote nas mãos e, sorrindo, perguntou:

— Não quer entrar? Tô passando café agorinha.

E, ao aceitar, Fit já sabia que aquilo tornaria-se um hábito entre os dois.

*

Por mais que as casas de ambos, estruturalmente, fossem iguais, não poderiam ser mais diferentes. Depois de muita insistência, Pac havia deixado Tina organizar todo o local, já que a cunhada era especialista em design de interiores, de modo que o apartamento parecia saído direto de um catálogo de condomínios decorados: os móveis em estilo moderno, alguns coloridos e outros de tom neutro, muitas almofadas nos sofás - Pac amava o tanto de almofadas que tinha - e plantas, muitas plantas, todas não tóxicas para gatos. As janelas eram teladas e havia arranhadores e toquinhas espalhados em todos os cômodos.

— Não repara a bagunça — Pac pediu, indo diretamente para a cozinha. Fit o seguiu. O gatinho laranja que dormia esticado no sofá abriu um olho curioso, voltando a dormir em seguida. — Ainda não consegui arrumar tudo depois que os gêmeos foram embora, e hoje eu pego eles de novo para passarem a noite então nem me importei.

— Não se preocupa — o professor riu, reparando nos brinquedos espalhados pelo chão, nos jogos de tabuleiro abertos em cima da mesa e nos desenhos pendurados com durex em uma parede.

Reparou, também, em um cantinho na sala que parecia dedicado inteiramente às crianças: uma mesinha com duas cadeiras, vários papeis, telas e materiais de pintura de um lado e, do outro, uma imensa variedade de flores desidratadas e secas, junto de um livro sobre "a linguagem das flores". Se fosse dar um chute, diria que os materiais de arte eram de Richas, e as plantas, de Empanada. Mal os conhecia, mas lembrava-se de ouvi-los falando animados sobre isso com Ramón na piscina, enquanto seu filho falava sobre engrenagens e coisas mecânicas pelas quais tinha um certo fascínio.

— Não sabia que tinha um gato — Fit decidiu falar, sentando em uma das cadeiras da cozinha. Pac voltou para junto da bancada da pia, onde apoiou as costas para esperar a água ferver. Quando olhou para o vizinho, aproveitou para jogar o cabelo para trás e afastar a franja teimosa dos olhos, fazendo o coração de Fit errar uma batida.

— Tenho três, na verdade. A laranjinha é uma danada, chamo ela de Cida, Aparecida para os menos íntimos, porque ela só apareceu no capô do meu carro e miou até eu colocar ela pra dentro de casa.

Fit riu. Por algum motivo, sabia que aquela atitude era típica de Pac; lembrou-se, sem querer, de uma das cartas que o cientista havia escrito para ele no mês anterior; em uma das últimas, quando já estava abertamente conversando de forma mais íntima do que apenas um "bom dia, obrigado pela comida", Fit havia reparado em trecho em especial: "acho que nós dois somos como gatos: desconfiados no início, mas sempre dispostos a confiar nas outras pessoas com o tempo".

É, devia ter entendido que Pac era um cara dos gatos.

— E os outros dois? Não vi eles na sala. — O professor continuou, ignorando os pensamentos gritantes. Pac riu.

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