Dia estranho

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Por quase dois meses, a troca de comidas, doces e lanchinhos continuou.

Um pedaço generoso de lasanha numa manhã de domingo, um pote de sopa quente no dia mais frio do ano, uma fatia de torta de morango numa terça chuvosa, uma pequena bolsa térmica contendo moqueca de camarão, arroz e feijão preparados de maneiras diferentes, saladas e vegetais cozidos com os mais variados temperos... os pratos de Pac eram sempre um pouco mais simples, porém extremamente saborosos, enquanto Fit gostava de elaborar mais o preparo, aproveitando-se dos anos de cozinha para se exibir - a torta de morango, por exemplo, tinha um pedaço de massa dourada por cima, cortada no formato exato de Pacman, o que fez o outro homem rir baixinho ao abrir a embalagem.

Às vezes, os potes, pirex e tupperwares vinham acompanhados de bilhetinhos carinhosos ou adesivos roubados do caderno de suas crianças e, em outras, apenas uma sacola deixada na mesinha de porta. Ramón sempre enchia o pai de questionamentos e pressionava para que Fit fosse agradecer, mas o professor gostava do mistério, gostava de trocar bilhetes com um desconhecido. Ele gostava de levar as coisas em seu próprio tempo. Pac, por sua vez, era tímido demais para ir tocar a campainha da porta da frente; na realidade, sentia-se tão tímido com toda a situação que só contou para Bagi sobre a troca de comidas quando ela reparou que a geladeira do irmão estava mais cheia do que o costume.

Assim, em todo esse tempo, Pac e Fit nunca se viram.

Os horários em que frequentavam o restante do condomínio também nunca pareciam colaborar para o encontro: Fit acordava muito cedo para poder fazer o exercício matinal, e, quando voltava da corrida ou da escalada, Pac já havia saído para alguma reunião ou testar algo no laboratório. O professor trabalhava nos períodos da tarde, no mesmo horário que o cientista geralmente estava em casa trabalhando no segundo emprego home office. Nos fins de semana, Ramón e o pai iam para a casa de Philza, e o outro ia visitar Bagi e ficar com os sobrinhos, ambos aproveitando para fofocar sobre a tradição iniciada.

Felizmente, isso estava prestes a mudar.

*

O dia de Fit começou estranho.

Pela primeira vez em alguns anos, ele perdeu a hora de acordar para exercitar-se. O alarme do celular simplesmente não tocou, de modo que ele só acordou bem mais tarde com o barulho de uma ligação; sonolento e sentindo-se perdido, o homem atendeu, apenas para descobrir que precisaria chegar mais cedo no trabalho - o que significava que teria que levar Ramón mais cedo também. Surpreendentemente, a criança acordou com mais facilidade do que costumava, fazendo Fit franzir as sobrancelhas, confuso.

O dia começou estranho para Pac também.

Embora não tivesse o costume de acordar cedo, naquela manhã ele simplesmente não conseguia continuar na cama; a sensação era a de formigas no lençol, e ele dormiu mal durante a noite. Frustrado, o cientista decidiu ir para a sala, onde pelo menos poderia colocar um filme para tentar distrair-se. Também decidiu tirar o dia inteiro de folga: os trabalhos no laboratório estavam todos terminados e ele poderia compensar o tempo perdido na próxima semana.

Quando acordou, descobriu que Bagi havia ligado para ele durante a noite, mas, por dormir com o celular desligado, Pac não atendeu. Enquanto passava café, ligou de volta para a irmã, e Bagi pediu que ele cuidasse das crianças durante os três dias de fim de semana, pois Tina estava doente e ela queria ir para a casa da namorada. Sem pensar muito, Pac concordou em pegar as crianças no colégio.

Como teria visitas em casa, o cientista achou prudente ir até o mercado comprar algumas coisas; afinal, Richarlyson tomava dois copos de achocolatado por dia, Empanada tinha uma queda por panquecas no café da manhã, e Pac gostava de mimar os sobrinhos mais do que deveria. O vizinho ainda não havia devolvido os potes desde o começo da semana, mas às vezes levava alguns dias para a troca acontecer.

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