Capítulo Três

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COMO UMA AULA que eu genuinamente gosto possa demorar tanto para passar? Em tempos normais eu estaria agradecida por demorar, tudo que a Maria tem a dizer é de grande acréscimo para mim no futuro.

Mas hoje não me parece um dia comum e sim uma coletânea de diferentes sentimentos. Finalmente terei meus óculos de volta. Parece um sonho, não aguento mais depender de lentes de contato, elas ardem os olhos se eu não hidratar de cinco em cinco minutos. Muito obrigada, Cerrado.

Surpreendentemente Maria finaliza a aula um pouco antes, disse que tem algumas reuniões. Não entendo como ela consegue ser tão incrível, a mulher tem duas graduações, inúmeros artigos publicados sobre socio educação, educação para pessoas marginalizadas, direitos humanos, a lista é infinita. Ela faz absolutamente tudo. Cresci escutando todos os seus argumentos, em entrevistas, em alguns textos simples que minha avó me entregava depois de ler e claro, todas as vezes que tive o privilégio de escutá-la pessoalmente.

— Lia, pode ficar por um minuto? — Maria pede. Ela está bastante formal hoje, com um terninho roxo, seu cabelo preso com algumas tranças ao lado.

— Diga. — Aproximo-me colocando a mochila no chão.

— Eu mudei seu tema da apresentação. Não poderá seguir o tema do semestre passado.

— Não, eu dediquei muito para aquela pesquisa — declaro rapidamente. — Eu sei que reutilizar aquela pesquisa seria preguiça, mas eu...

— Eu sei que não se dedicou para pesquisa. Vi você todo semestre, faltou aulas, algo que eu sei que não faz, perdeu a apresentação de outros colegas e escolheu um tema que você não entende e não quer trabalhar com.

— Mas eu...

— Mas eu ainda não terminei de falar — ela interrompe, séria. Bem séria. — Eu sei o seu potencial e sei qual é a pesquisa que você realmente quer fazer para sua tese. E eu quero que foque nessa pesquisa, a da sua tese. — Ela suspira, me olhando minha alma. — Entendo que tenha sido um semestre complicado para você, mas semestre que vem já é a hora de entregar sua monografia se quiser se formar, estou tentando te ajudar.

— Eu sei que está — não chora, não chora, não chora.

— Não chora, por favor. Não estou falando que você não é boa — ela bebe um cole de seu café — você é muito boa. Eu li o que me entregou, mas temos coisas a melhorar — sento-me na mesa em frente a sua. Isso vai demorar. — Sua escrita é horrível para alguém que já está terminando a graduação, e se realmente quer tentar o mestrado, precisa melhorar isso, agora mesmo. E... não vi você naquele texto, você nem gosta de criança para fazer uma pesquisa focada em criança.

— Eu gosto de crianças — declaro e ela ri. — Eu gosto, só acho que haja outras opções de trabalho por aí.

— É mesmo? — assinto com a cabeço. — Certo, então faça a pesquisa da sua tese para mim. Apenas a parte teórica, a prática você fará com o auxílio do seu orientador. Mas te darei um ponto de partida. — Ela se senta ao meu lado. — O meu doutorando tem uma pesquisa sobre neuro diversidade na educação e teóricos que pesquisam a área, algo que você quer discutir também com a questão de gênero e interseccionalidade. Acho que vocês podem pesquisar juntos e uma visão de outros países.

— Quais países você quer que eu pesquise? — ela dá um pulinho, parece uma criança.

— Claro, o Brasil, por razões obvias, Estados Unidos, definitivamente por razões obvias e a Grã-Bretanha.

— Credo, isso vai ser longo.

— Eu sei — ela olha o celular. — Você é ótima pesquisando as coisas e adora criticar o sistema, coloca isso no seu texto.

Parece SolidãoOnde histórias criam vida. Descubra agora