As coisas mudaram

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Já era de noite mas não tinhamos encontrado nenhum sitio para ficar.
Parámos  o carro num lugar meio escondido pelas árvores  e comemos alguma da comida que nos restava , que não era muita. Não tinhamos para onde ir nem com quem nos encontrar, nem sequer sabiamos se todas as pessoas que conheciamos estavam vivas ou tinham encontrado um sitio seguro.

Quando não nos encontramos numa situação de perigo eminente aproveitamos para pensar sobre o passado e como está o mundo agora. Pelo menos é isso que eu faço mas não sei em quê que pensa Inês. Nós não temos falado muito, as conversas que temos desde que tudo isto começou foram só sobre o que faríamos a seguir e se estariamos seguras ou se aquilo iria acabar um dia. Este apocalipse só serviu para nos afastar mesmo estando sempre juntas.

Quando acordei o sol estava ainda a nascer e apercebi-me que Inês não estava ali. Tentei não me preocupar muito, respirei fundo e saí do carro. Ela estava lá fora a fazer as coisas que se faziam na casa de banho mas que agora já não se fazem lá.

Suspirei , disse para ela ser rápida e entrei no carro outra vez, mas em vez de ir para os bancos de trás fui para o da frente, ao lado do do condutor.

Ela não demorou muito a entrar no carro mas notei alguma coisa de estranho nela.
Perguntei-lhe o que se passava mas ela conduziu e manteve-se calada durante um tempo.
Passado um bocado disse:

-Vi a Maria.

Eu permaneci em silencio. Achei que não era preciso fazer perguntas.

-Ela estava viva e eu fiquei muito contente por vê-la e quando estava prestes a dizer-lhe que estava aqui , vi que estava acompanhada pelo namorado e dois homens que aparentavam ter cerca de 40 anos. Eles estavam a apontar armas a uma familia com duas crianças e foi aí que me apercebi que estavam a assalta-los. Mantive-me quieta e observei tudo. A família recusou-se a dar-lhes o carro com os mantimentos que possuía e eles dispararam. Eles mataram aquela família. Mataram as crianças. Mataram aquelas pessoas inocentes para sobreviver por mais uns dias.

Eu não sabia o que dizer. O mundo em que vivemos está diferente. Os seres humanos são capazes de fazer qualquer coisa para sobreviver mesmo que isso implique matar pessoas inocentes. Este mundo tornou todos aqueles que conheciamos em monstros capazes de qualquer coisa.
Não quero ser como eles, não estou preparada para ser como eles, para fazer aquilo para sobreviver. Provavelmente sou demasiado fraca para este mundo e não vou sobreviver por muito mais tempo.

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