Capítulo 1 Fragmentos de Vida

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No coração do Vale do Silêncio, onde as sombras da megalópole devoravam as últimas réstias de esperança, John emergia como um ícone solitário no meio do caos eletrônico e da decadência urbana. Aos 48 anos, seus implantes cibernéticos, companheiros de vida, viviam pregando peças nele, transformando sua existência em uma batalha constante contra a deterioração do corpo e da mente.

A manhã cinza e melancólica penetrava pelas janelas esfaceladas de seu apartamento, revelando a coleção de peças metálicas e fios que se mesclavam com sua carne. Esses dispositivos, outrora reluzentes e de última geração, haviam sido reduzidos a relíquias desgastadas que oscilavam entre a funcionalidade precária e o iminente colapso. A eletrônica intermitente emitia um zumbido sutil, um lembrete constante de sua fragilidade.

Sentado em uma cadeira surrada, John tentava desesperadamente ajustar seu braço mecânico com mãos trêmulas. O implante, uma obra-prima da tecnologia de eras passadas, exibia cicatrizes de arranhões e pequenas rachaduras. Com um suspiro de frustração, ele deu um tapa no dispositivo, na esperança de prolongar seu funcionamento por mais algum tempo. Os anos de uso excessivo e o desgaste inevitável o tornavam propenso a falhas frequentes, mas ele não tinha alternativa senão persistir na luta para mantê-lo em operação.

Lá fora, o Vale do Silêncio estava em constante agitação, com ruas estreitas repletas de vida e caos. Os moradores apressavam-se, ignorando John, enquanto anúncios luminosos piscavam eletrochoques de neon. O distrito pobre era uma fusão peculiar onde a miséria coexistia com a exploração de inovações ilegais, onde a busca desesperada por sobrevivência encontrava-se com a obscura face da tecnologia.

John suspirou novamente, relembrando os dias em que fora um engenheiro de dispositivos cibernéticos de renome, quando seu nome estava associado à qualidade e inovação. Agora, sua vida representava apenas uma sombra do que costumava ser, uma batalha diária para manter operacionais os próprios implantes que ajudara a projetar.

Erguendo-se com dificuldade, John sentiu a dor persistente nas articulações e a fragilidade de seu corpo humano. Com passos incertos, dirigiu-se à janela empoeirada, contemplando o mundo sombrio do lado de fora. No Vale do Silêncio, o futuro era uma incógnita brutal, mas ele não estava pronto para se render. Guardava segredos do passado, e nutria uma centelha de esperança de que, em meio ao caos, encontraria uma oportunidade de redenção.

Enquanto pegava seu suprimento de ar, sabia que seus últimos créditos seriam debitados. Era a única maneira de tentar sobreviver durante o sono. Durante a noite, os circuladores que sobrevoavam o vale cessavam, uma estratégia sinistra do Mecano para diminuir a população da região. John, apesar de evitar teorias conspiratórias, suspeitava que essa era uma manobra do Mecano para erradicar os moradores do local.

O Mecano era uma entidade impessoal que governava com um punho de ferro e uma eficiência metódica. Sua presença era onipresente e inquestionável, estendendo seus tentáculos eletrônicos por todos os aspectos da vida dos cidadãos. Não possuía rosto, coração ou compaixão, mas sim uma complexa rede de inteligência artificial e algoritmos, operando a partir de centros de controle subterrâneos ocultos nas profundezas da megalópole. Seu domínio era impessoal, e sua autoridade incontestável. Aqueles que ousassem desafiá-lo enfrentariam uma sentença mortal, sem direito a julgamento.

Os vigias do Mecano, pequenos drones que pairavam entre os prédios, observavam cada esquina, relatando qualquer violação das leis. Esses olhos eletrônicos desencorajavam qualquer tentativa de resistência, transformando a busca pela liberdade em um ato fútil.

Um Milagre no Vale do Silêncio - Conto CyberpunkOnde histórias criam vida. Descubra agora