Capítulo 5 Engrenagens Reveladoras

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John finalmente conseguiu chegar ao seu modesto apartamento, esgueirando-se pelas sombras e abaixando a cabeça sempre que um drone passava nas proximidades. A euforia de sua descoberta o dominava a tal ponto que ele até se esqueceu de pegar sua máscara de oxigênio e colocá-la no nariz. Ele folheou suas anotações com cuidado, voltando às partes que não entendia, lamentando não ter consigo o Livro de Nexus; em sua caderneta, havia apenas referências e ele desejou avidamente ler cada palavra.

Passando a mão em sua perna mecânica, ele riu ao relembrar tudo o que acontecera no abrigo. Esticou os braços e alcançou seu casaco, pegou a esfera e lançou um olhar furtivo para as janelas, certificando-se de que estavam bem fechadas. No entanto, não ousou retirar a esfera do tecido, temendo que sua luz chamativa pudesse ser vista da rua, o que resultaria em sua descoberta.

Após se aprontar, ele deixou seu apartamento. Em vez de seguir para sua oficina clandestina, decidiu ir para a rua do comércio, o melhor local para descobrir o que estava acontecendo. Ele precisava entender por que a FoAl fora chamada e encontrar um comprador para a água que encontrara no abrigo.

John entrou no estabelecimento de informações onde seu amigo Philipe administrava. Philipe era um sujeito peculiar, alto e robusto, com cabelos vermelhos, parte de seu rosto era de metal, olhos verdes intensos e nariz proeminente. Ele era um homem de poucas palavras, e sorria ainda menos.

John olhou ao redor antes de fechar a porta e se dirigiu a Philipe.

— Phil, aconteceu algo.

Philipe fez um gesto discreto para que John se calasse, apontando com os olhos para a nova segurança que havia sido instalada recentemente. Endireitou as costas e caminhou em direção aos fundos da loja, sendo seguido por John. Eles seguiram por um estreito corredor e finalmente chegaram a uma pequena porta. O grande homem ruivo teve que se curvar levemente para passar por ela. Dentro, encontraram uma sala com duas poltronas voltadas uma para a outra, separadas por uma pequena mesa. O ambiente exalava o cheiro de carvão queimado, misturado com a fumaça de charuto que era fumado ali todas as manhãs em reuniões secretas que John preferia não saber do que se tratava. Não tinha janelas, apenas um pequeno exaustor de ar no topo de uma parede baixa. A luz era turva e amarelada, falhando de vez em quando devido à adaptação do sistema elétrico.

Sentaram-se nas poltronas e John começou a contar o que havia acontecido no beco e o medo que sentira de que sua oficina fosse descoberta.

— Pegaram um traficante de oxigênio — respondeu Philipe com sua voz grave e seca. — Ele foi denunciado por sabe se lá quem. Julgado e morto no local.

John engoliu em seco, hesitando sobre se deveria compartilhar suas descobertas com o amigo.

— Durante minha fuga, descobri um depósito de água potável e comida desidratada — ele revelou. — Quero vender a água.

Philipe ergueu uma sobrancelha, respirou fundo e negou com a cabeça antes de responder:

— Temos que esperar antes de tentar vender algo. Se você não tivesse vindo me procurar, eu mesmo teria ido até você para pedir para fechar aquela oficina. Esta manhã, vi soldados da FoAl patrulhando as ruas.

— Eles estão procurando por mim? — John perguntou apreensivo.

— Não posso afirmar com certeza, mas é possível. Eles já sabem que alguém está revitalizando máquinas corporais, e isso não é nada bom para eles.

— Eles querem acabar com o vale, e estou cansado de não fazer nada.

Philipe lançou um olhar preocupado a John.

— O que você pretende fazer? Nós não temos poder algum.

A lembrança de John pulsou no verso que leu naquela madrugada: "Teus, ó Senhor, são as grandeza, o poder, a glória, a majestade e o esplendor, pois tudo o que há nos céus e na terra é teu. Teu, ó Senhor, é o reino; tu está acima de tudo." E então, John se lembrou do que a esfera havia feito com suas engrenagens. Uma lembrança que o encheu de esperança.

— Tenho que ir — disse John, levantando-se abruptamente.

Philipe também se levantou e aconselhou com preocupação:

— Não faça nada precipitado, meu amigo. Se puder, fique longe por alguns dias. Procure Laila; ela pode te ajudar a se esconder.

John hesitou por um momento.

— Verei sobre isso, não se preocupe.

Foi nesse momento que John notou que a parte mecânica do rosto de Philipe apresentava problemas. Ele voltou a se sentar e recebeu um olhar de estranheza do amigo. Com a mão na jaqueta, John pensou se deveria revelar a esfera que estava segurando.

— Acho que posso te ajudar com suas engrenagens — John falou seriamente. — Sente-se.

Philipe, que há muito tempo estava acostumado com as dores, obedeceu ao amigo sem questionar. "Pior não irá ficar", pensou. John tentou algo que não tinha certeza de que funcionaria. Com uma mão na esfera e a outra tocando com as pontas dos dedos a parte mecânica do rosto de Philipe, ele sentiu a mão que estava na esfera aquecer. Das pontas de seus dedos mecânicos, uma forte luz cintilou sobre o rosto de seu amigo, durando apenas alguns segundos e se apagando quando ele retirou a mão.

— Foi pela fé de Philipe — uma voz suave ecoou em sua cabeça.

John se assustou e deu um passo para trás, esbarrando na poltrona, o que o fez cair sentado. Philipe riu da cena, sem entender o que seu amigo tinha feito. Foi quando percebeu que suas dores habituais haviam desaparecido. Levantou a camisa e notou que a parte mecânica de seu tórax estava revitalizada. Ele correu para fora da sala, voltando para a frente da loja, e viu seu reflexo no vidro da vitrine; suas engrenagens estavam ajustadas e funcionando perfeitamente.

— O que você fez? — ele questionou, esquecendo-se de que estava sendo filmado.

John olhou para a câmera e depois voltou a Philipe.

— Apenas ajustei os parafusos.

Novamente, Philipe riu, e suas risadas se transformaram em gargalhadas. Ele se sentia tão bem como há muito tempo não se sentia. Ele fora curado, assim como John quando encontrou a esfera. O amigo de John foi contagiado pela alegria e, quando finalmente se acalmaram, Philipe se inclinou na direção de John e sussurrou:

— Que poder é esse que tem de curar até as dores da minha alma?

Nem mesmo John sabia que tipo de tecnologia levava no seu bolso. Sussurrou de volta, afastando-se com um semblante sério:

— Depois conversamos.

— Quando voltar, tomaremos um caldo e você me contará toda essa história.

John assentiu com a cabeça e saiu da loja com um novo ânimo, fazendo planos para ajudar seus vizinhos e os moradores do vale. "Não preciso revelar que estou com a esfera", pensou. "Só preciso encontrar outro local, um lugar mais seguro."

Um Milagre no Vale do Silêncio - Conto CyberpunkOnde histórias criam vida. Descubra agora