Capítulo 6 Refúgio em Fogo

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John voltou para sua casa apenas para pegar alguns pertences e, em seguida, dirigir-se ao abrigo, que julgava ser o lugar mais seguro para se esconder. Entretanto, quando chegou perto do prédio, percebeu um movimento estranho e diminuiu seus passos. Os moradores estavam todos na calçada, olhando estranhamente para o edifício, mas não havia nenhum alarme ou alerta visível. Ao olhar para cima, viu a fumaça negra erguendo-se por trás do prédio - um dos apartamentos estava em chamas.

Seus olhos se arregalaram de surpresa e ele correu em direção ao prédio. Passou por entre as pessoas, mesmo sendo alertado sobre os perigos de continuar. Ao entrar, subiu as escadas o mais rápido que pôde, graças às suas engrenagens restauradas e à adrenalina, não sentiu dificuldade com a subida.

Enquanto subia pelo corredor em direção ao apartamento em chamas, o calor intenso começou a envolvê-lo. O ar estava impregnado com o cheiro de fumaça e as paredes irradiavam uma luminosidade laranja e perigosa. Com pressa, abriu a porta, pegou uma mala e enfiou algumas trocas de roupas, a caderneta e uma pequena caixa de ferramentas. Ao sair, o fogo já havia se espalhado para o seu andar, bloqueando a saída pelas escadas.

Ele olhou para a janela do andar, que dava para a rua, e viu que a escada de emergência estava quebrada, mas essa era a única saída possível. Mesmo com as alças da bolsa curtas, ele as passou estrategicamente por um dos braços, deixando-a junto às costas. Respirou fundo, abriu a janela e sentiu o vento gelado entrar, enquanto o fogo ardia mais forte. Estava no oitavo andar e pulou de andaime em andaime até o último andar, o mais alto. Precisou de concentração para realizar os saltos e, ao final, rolou no chão. A cada salto, era ovacionado pelos espectadores. Quando finalmente alcançou o chão, percebeu que entre os vizinhos, a FoAl também estava presente, juntamente com alguns drones que sobrevoavam. Foram alertados sobre o incêndio e instruídos a permitir que o fogo queimasse.

John se ergueu sem dificuldade, limpou a poeira de seu corpo, ajeitou os cabelos e ultrapassou as pessoas, incluindo os soldados, com um olhar altivo.

Após caminhar dois quarteirões do prédio em chamas, notou que dois drones o seguiam. Seria difícil escapar deles, então ele continuou caminhando como se não soubesse. Por dentro, o medo o dominava; não podia seguir para seu esconderijo no subterrâneo, muito menos para a oficina clandestina. A solução veio ao ouvir uma amiga chamando por seu nome. Ele se virou na direção da voz e sorriu.

— Ah, John! Como está? — a senhora se aproximou com olhar de compaixão. — Acabei de saber sobre o prédio onde você mora. É lamentável o que estão fazendo conosco, lamentável!

John evitou olhar na direção de seus espiões.

— Estou bem, Lígia, é isso que importa.

— Isso é o que importa. — Respondeu com compaixão, notou que ele estava cheio de fuligem e soube que esteve no local do incêndio. — Posso te ajudar até que encontre um lugar para morar. Venha ficar conosco, sei que Peter não se importará.

— Agradeço.

Ele se conteve para não contar seu plano antes do momento certo. Lígia era uma mulher um pouco mais velha que ele, com cabelos loiros e sem modificações visíveis em seu corpo, apenas em sua coluna, devido a uma cirurgia dolorida que a permitiu voltar a andar. Ela era casada com o representante do distrito, Peter, um homem de meia-idade também sem transformações visíveis. Ambos desfrutavam de privilégios, como uma ração extra e suprimentos de oxigênio sem precisar descontar de seus créditos. O sobrado onde moravam era confortável e contava com uma senhora que cuidava da casa.

Quando John entrou no carro da senhora, os drones que o seguiam foram embora. Desconfiado, ele manteve-se calado e respondeu em monossílabas às perguntas de sua amiga.

Foi recebido com alegria, como velhos amigos. Peter era um homem idoso, mas tinha uma sabedoria que vinha com a idade. Ele era negro, robusto, com cabelos crespos brancos bem cortados e um pequeno bigode branco abaixo de seu nariz redondo. Usava óculos redondos com aro e estava sempre bem-vestido, mesmo na hora de dormir.

Após uma calorosa recepção, John se encontrou em uma casa aconchegante. O interior era decorado com móveis de madeira polida e tapetes coloridos, criando uma atmosfera acolhedora. Eles se reuniram à mesa, cuja toalha xadrez lembrava o aconchego de um lar tradicional.

— Me perdoe se eu for inconveniente, mas poderiam dispensar a empregada, apenas nesta noite? — pediu John discretamente a Peter.

— Amigos nunca são inconvenientes quando se trata de segurança — respondeu Peter prontamente, com gentileza.

Peter dispensou a empregada e pediu à esposa, em um código que apenas eles conheciam, para desligar a segurança da casa, deixando-a apenas na parte externa. Somente após um aceno, John tirou sachês de alimento de seus bolsos e os ofereceu a seus anfitriões. Ele ensinou como obter alimento sólido a partir dos sachês e eles compartilharam um jantar peculiar.

— Nos diga, meu amigo. Onde encontrou essa iguaria? — perguntou Lígia.

— Justamente no lugar para onde planejo ir esta madrugada — respondeu John.

Ele contou sobre o abrigo, omitindo apenas a existência do Livro de Nexus e da esfera. Eram um casal em quem ele confiava sua vida, com uma longa história de ajuda mútua e amizade, porém se lembrou do que leu na caderneta: "...amo todos eles, mas não confio".

Um Milagre no Vale do Silêncio - Conto CyberpunkOnde histórias criam vida. Descubra agora