Predestinados

06

Thiago Alves

— benção vó

Toda vez em que entro dentro desta casa sempre peço a benção, pra mim isso é um ato de respeito e de entregar meu amor para minha avó.

— Deus te abençoe meu filho.

Dou aquele velho abraço apertado acolhedor que me faz sentir em casa, no meu lugar.

— como que a senhora está vó? -pergunto já me sentando em seu sofá com mantas de crochê feitas pela a própria Maria.

— tô bem graças a Deus, estou tomando meus remédios todos certinhos - senta-se ao meu lado.

— fico feliz em saber disso, eu me preocupo com a senhora vó.

Minha avó tem Mal de Parkinson e para quem não sabe, isto é um distúrbio do sistema nervoso central que afeta o movimento, muitas vezes incluindo tremores. Então quando ela não toma seus remédios ela acaba tremendo demais, tendo suas crises e enfim.

Ambos de nós não gostamos de tocar no assunto quando o assunto sou eu, tanto é que quando venho aqui é sempre sobre ela, pois sabemos que no momento que algum de nós falar sobre mim, sobre meu serviço pode causar estresses em ambos e eu mesmo quero o bem dela, jamais ver ela estressada ou chateada comigo apesar de saber que a mágoa é grande.

— aceita um bolo de cenoura com calda de chocolate filho? Fiz na esperança de te recebe hoje aqui em casa, parece que Deus ouviu minhas preces.

Amém, glória a Deus!

Mas será que Deus sabia o tanto que eu estava evitando de vir aqui nesta semana? Já peço perdão se ele souber..

Minha vozinha frequenta a igreja toda semana nos cultos de quinta, a fé que essa mulher tem é inacreditável parece que a missão dela, o propósito dela é transborda a fé pelo mundão, que loucura.

Eu respeito o máximo, acredito muito em Deus mas a  casa de religião que mais frequento é o terreiro. Gosto de conversar com as entidades, gosto de ir e ver, ouvir os pontos e os aviso que os mesmos tem pra me dar.

— quero sim vó, tô com uma saudade dos doces da senhora.

— se você não fosse tão orgulhoso e deixasse essa besteira de lado, com certeza teria minha comida ao seu dispor.

Me levanto e logo após ajudo a mesma se levantar do sofá, levo ela até a cozinha e a puxo a cadeira para a mesma se sentar.

— deixa de bobagem, você e visita hoje e eu faço as honras de te servir.

Dona Maria sempre foi uma mulher independente, criou seus dois filhos e mais uma de criação, fora o neto que dá trabalho a ela até os dias de hoje, vulgo eu.

Mas a bichinha é cuidadosa com a casa, sempre mantém organizada e cheirosa; e aí de quem vir arrumar a casa para ela e não deixar do jeitinho que ela gosta, ela tem toque que da nos nervos, ela vira o cão!

A um tempo atrás, quando eu ainda era menorzão quis fazer uma agrado a ela pois a mesma trabalhava fora, passando o dia em faxina e não merecia chegar em casa e a casa estar uma zona, decidi então arrumar para esperar ela. Comecei lavando louça, passando vassoura na casa e por ai vai mas quando chegou nos quartos eu estendi o lenço, ajeitei a colcha e dobrei as cobertas.

Maria quando chegou só faltava me pegar pelo pescoço, disse que eu estiquei a cama que nem a minha cara, que dobrei errado mas na verdade eu só não tinha feito do jeito dela, depois dela ter me colocado lá no cu do cachorro com os xingamentos ela me pediu desculpas e disse pra eu nunca mais arrumar nada.

— nossa vó, que coisa mais boa tá esse bolo.

Realmente estava, nossa eu amo.

— sim né, eu que fiz.

Os anos passam mas o deboche continua.

— Thiago, quando vai me apresentar uma mulher sua? Os anos estão passando e o envelhecimento está chegando cada vez mais perto, de seus pulos de me da um netinho antes de eu partir.

— não bate neurose nisso não vó, a senhora tem muito pra viver ainda e você sabe.

Odeio quando entramos nesse assuntos de a velhice estar chegando, que que tem? Quantas pessoas morrem lá pelos seus 100 anos, ainda tem muita água pra tomar debaixo da ponte.

Morro de medo dela partir, não sei o que seria de mim sem ela aqui para me dar um amparo, um conselho ou até mesmo um abraço de proteção.

— fui apenas sincera meu filho.

O silêncio toma conta da cozinha, meu coração acelera ao imaginar ela não estar mais aqui.

— sei que não gosta de eu falar disso mas é preciso por que você precisa entender que um dia eu vou, e vou antes de você apesar de que você estar nessa vida que corre perigo todo dia, eu ainda prefiro ir antes do que ter que enterrar meu neto, isso não é a lei da vida.

— vó...

Perdi a fome de doce.

Quando entramos no assunto de eu ir primeiro, de eu ser envolvido eu só consigo me lembrar daquela música "imagina o quanto dói ser tão ruim pra você ".

Erro meu ignora-lá? Sim, mas foi o que fiz para evitar nós entrarmos em um assunto doloroso, assim nós dois ficamos de boa.

É horrível, é uma sensação que nem sei explicar ver alguém da família que amamos e consideramos falar um bocado de coisas ruins sobre ao nosso respeito, hoje não foi um dos dias em que ela falou, mas já teve momentos que já me chamou de desgosto. Dói, dói muito ver quem fala isso, dói ao pensar que jamais ouviria isso da boca daquele alguém.

Nunca fui um santo e eu admito isso, e talvez hoje eu só esteja pagando meus pecados por tudo que já cometi mas é preciso ouvir certas coisas dela? Da minha vó que considero mãe?!

Eu acredito que ela já nem se lembre de quando me chamou de "desgosto" mas é aquilo né: "quem bate sempre se esquece", pode ter certeza que isso pra mim ficou mais marcado que tatuagem, vou levar comigo essa palavra até meu último dia.

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Notas da autora.

Confesso que pra mim tá sendo bem legal estar de volta mas também não posso deixar de pedir encarecidamente o voto de vocês (⭐) e também o comentário (💬). Pois isso me ajuda muito a saber se vocês estão gostando, se querem mais ou querem que eu pare. Além disso me motiva um monte a escrever mais.