3. Sozinha

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Um deslocado fazendeiro encarava aquela figura que conhecia tão bem sem saber o que dizer perante tal questionamento.

⁃ Responde! Quem é você? Onde eu estou? - Sua voz soava confusa e o desespero parecia tomar conta dela. - Se você continuar me encarando sem dizer nada eu vou gritar!

Estava atônito, jamais esperava não ser reconhecido por sua companheira de tantos anos.

⁃ Eu... - Reuniu forças em um suspiro. - Sou seu esposo, Antônio La Selva! Somos casados há 30 anos, você está no hospital por um acidente de carro que sofreu...- Os olhos marejaram.

⁃ Meu esposo? Hospital? - A confusão pairava em sua expressão.

⁃ Sim, sou seu marido, por acaso não se lembra de mim?

⁃ Não! Nunca te vi nessa vida! Você não é nada meu! - Se desesperou com a proximidade dele.

De pronto, a equipe médica adentrou o quarto com os barulhos dos monitores alterados. Seguidos por Petra, os profissionais começaram a conter e revisar a paciente.

⁃ Ela acordou, pai? - Indagou Petra com um brilho no olhar, pegando-o pelo braço e levando-o para um canto do quarto. - Mas porque ela está tão agitada? O que você fez? - Encarou-o sabendo do potencial destrutivo que ambos possuíam juntos.

⁃ Acordou. - Respirou fundo. - O que você tá insinuando, menina? Eu não fiz nada! Tua mãe que abriu os olhos e ficou aí perguntando quem era eu o tempo todo, tá me deixando maluco! - Exclamou com as mãos enquanto via a mulher sendo examinada.

⁃ Como assim? Perguntando quem era você? - Incrédula virou-se e foi em direção a mãe. - Mãe? Finalmente você acordou! Como você está se sentindo?

⁃ Mãe? Eu sou sua mãe? Tenho filhos? - Fechou os olhos tentando digerir a informação e sentiu a cabeça doer. - Eu não me lembro de nada, nada! Eu sequer sei meu nome! - Chorou com angústia se debatendo na cama com  dor.

⁃ Doutor, o que é isso? Ela perdeu a memória? Pra sempre? Meu Deus, me responde! - Avançou rumo ao médico, apavorada ao ver o estado de sua genitora.

⁃ Calma, senhorita! Estamos avaliando e administrando calmantes pra paciente, provavelmente se trata de uma perca de memória temporária pelo advento da gravidade do acidente e do coma. - Explicou enquanto observava o prontuário e aparelhos.

⁃ Isso tem reversão, ô Doutor? - Questionou Antônio sem expressão.

⁃ Tem sim, Doutor Antônio! É imprevisível, pode durar 24 horas, meses ou anos. Vamos ter que aguardar como ela vai responder ao tratamento. - Observou como ela se acalmava fechando os olhos em um sono profundo devido aos medicamentos.

   •~ Dia seguinte, Hospital Nova Esperança~•

Antônio encarava a figura feminina prostrada diante si em meio a suspiros. Não conseguia digerir o fato dela não se lembrar de nada da vida que construíram juntos durante as últimas 3 décadas, como contaria pra ela sobre o inferno de vida que a fez passar?

Como olharia nos olhos dela, olhos que aparentavam não terem mais aquele brilho de malícia e confidenciar todas as atrocidades que eles já cometeram em nome do poder e da ganância?

Ela se lembraria do amor deles? De quantas vezes fizeram amor loucamente em locais inusitados, em cada cômodo daquela fazenda estrondosa que ela certamente nem sabia da existência.

Lembrando-se do questionamento dela sobre filhos sentiu o peito apertar, ia tirar forças da onde pra sentenciar ela mais uma vez a viver o luto por Daniel?

De que me serve a vida?Onde histórias criam vida. Descubra agora