2. Arrependimento

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Ao ultrapassar as portas do gélido quarto de UTI humanizada, Antônio La Selva teve a impressão de vislumbrar em cada passo um pedaço de sua vida até aquele momento.

Por sua mente pairavam recordações de dias felizes e tristes nos últimos 30 anos, e não havia sequer uma lembrança em que a mulher de cabelos castanhos não estivesse presente. Ao contrário de sua primeira esposa, que havia desaparecido e o abandonado com uma criança pequena, a qual cresceu sob os cuidados daquela que agora aspirava-os.

Pensando bem, ela sempre precisou de atenção e ele nunca enxergou. Nunca enxergou o quanto ela era extremamente forte mas ao mesmo tempo tão vulnerável, não percebeu ao longo dos anos como ela sempre esteve ali pra ele, na alegria e na tristeza.

Como ele lhe correspondia? Com alguma que outra migalha de atenção e depois voltava pros braços de alguma prostituta para não encarar os problemas que o cercavam. Ele certamente era um tolo.

Talvez covarde combinasse mais, pois sua falta de compromisso contrastava com suas enormes exigências. Ele cuidava melhor do Soja e do Milho que da mulher que dormia ao seu lado todos os dias.

Paramentado, ele sentiu cada pelo de seu corpo arrepiar ao vê-la sob aquela cama fria, pálida, cheia de hematomas por sua pele macia e com uma faixa de gase sob os cabelos. Contemplou a fragilidade da vida vendo-a conectada a tantos cabos e tubos.

- Você merece tudo isso por ter me traído... - Sussurrou observando-a.

De pronto, ao se lembrar das palavras da filha e refletir sobre o estado da mulher, sentiu-se sufocado e com o peito apertado, arrependendo-se imediatamente de suas palavras.

- - Ahh... Quem eu quero enganar, mulher? Vivo dizendo que te tirei da sarjeta mas acho que se alguém saiu da sarjeta aqui, fui eu quando te conheci... -Diz passando o dorso da mão levemente pelo rosto dela, assustando-se com a temperatura gélida.

            •Um mês depois, Fazenda La Selva•

Em uma tarde ensolarada, o patriarca da família voltava pra casa mais cedo em busca de uns documentos que havia esquecido em seu quarto.

Estranhou a falta de movimento ao adentrar a mansão, cruzou a enorme sala, jogou o chapéu no aparador e subiu as escadas detendo-se na porta de seu quarto ao ouvir Ágatha conversando sozinha enquanto segurava um pote com ervas.

- Aí, Antônio La Selva, você não perde por esperar, querido. -Exclama com um sorriso sorrateiro enquanto encarava o frasco. -Meus chazinhos já já começam a fazer efeito e logo logo vou ter nas minhas mãos tudo o que tenho direito.

Se levanta e coloca o objeto em sua bolsa.

- Sem aquela estúpida da Irene pra me atrapalhar, tudo ficou mais fácil. O idiota do Antônio não faz noção que esse orgulho de machão dele o impediu de ver que tudo o que aquela piranha falava sobre mim era verdade. -O deboche pairava em seu rosto. - Eu vou acabar com você, Antônio! Vou tirar tim tim por tim tim de você e depois, me livro desse inferno que é te aguentar...

O fazendeiro mal podia acreditar no que ouvia, então Irene esteve certa durante todo aquele tempo? Ágatha realmente havia voltado para se vingar dele?

Se sentindo um tolo, o mesmo desceu discretamente até a cozinha e comentou com Angelina sobre suas suspeitas em relação a Ágatha estar o envenenando. Isso explicava seus constantes maus súbitos durante os últimos dias.  A governanta compartilhou de sua desconfiança e prometeu trocar a comida do patrão sempre que possível, bem como sua discrição.

Com um objetivo em mente, o homem pegou seu chapéu e partiu.

    •Hospital Nova Esperança, minutos depois•

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