Capítulo vinte e três

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Acordei no outro dia antes de Maria Flor, ela não foi trabalhar e isso não era problema, para mim o problema era ela não ir ver os filhos e isso era algo que conversaria com ela depois sobre isso. Fiz carinho em seu rosto e fiquei observando-a dormir, como eu estava na escala de plantão, hoje não iria trabalhar de manhã, só a tarde. Tecnicamente não era para ir trabalhar hoje, mas como não tinha outro pediatra eu acabava indo mais vezes ou ia na casa dos pacientes saber como eles estavam.

- Você não dorme não? – Ela falou sonolenta.

- Você descobriu meu superpoder, eu quase não durmo. – Meu corpo dorme de maneira parcelada.

- O hospital fez você criar essa rotina?

- Antes mesmo daqui, lá no Rio eu também era plantonista então eu acabava dormindo pouco, tinha menos de seis meses que assumi o trabalho em horário comercial.

- Eu estou acabada.

- Imagino. – Dei uma breve risada. – Quando estiver pronta vamos comer algo e voltar para casa.

- Eu não vou voltar não.

- Flor...

- Eu não... quero voltar... Eu estava uma casa para alugar por aqui, já fechei com o dono, vou pegar minhas coisas, meus meninos e vir para a cidade.

- Você vai deixar sua mãe e meu pai triste. Eles estão sentindo sua falta...

- Eu não quero viver num lugar que eu vou lembrar o resto da minha vida que eu sou fruto de um... eu nem consigo dizer isso... eu sou... filho de um diabo... de um demônio que acabou com a vida de minha mãe. Eu... sou filha e irmã... isso não é certo, eu já nasci amaldiçoada e não quero continuar sendo esse peso pra ela.

- ... – Não tinha o que falar naquela situação, realmente era algo muito pesado e triste. Flor estava chorando e eu estava chorando junto com ela.

- Agora eu sei porque ela me odeia tanto. Depois que ela falou tudo começou a fazer sentido, e no começo o patrão também não gostava de mim, era por isso, porque eu atrapalhei a vida deles... era pra vó ter me matado como a mãe pediu.

- Não, não fala isso. – A impedi de continuar falando aquelas coisas. – Não era... você e Isaura são inocentes, nenhuma das duas tem culpa do que aconteceu.

- Eu tenho culpa sim...

- Não tem, Flor. – Segurei o rosto dela e a fiz me encarar. – Você não tem culpa de nada. Então não tem que carregar esse peso.

- Não é tão fácil assim, quando me olho no espelho fico imaginando quantas vezes ela sofreu por me achar parecia com ele ou só de lembrar que eu sou fruto da pior dor que ela já sofreu. Eu pensei muitas coisas... até mesmo em tirar minha vida... só não fiz isso porque meus meninos vão ficar sozinho no mundo.

- Não, Flor, essa não é a resposta. Olha para mim, eu sei que é difícil, sei que é doloroso, mas sua vida não pode ser definida por isso.

- Eu não quero nem sair da cama, eu me sinto um lixo, algo que só faz peso na terra e fere as pessoas. Eu sou uma coisa horrível... porque eu sou fruto de algo cruel.

Aos poucos eu consegui ir acalmando Maria Flor, mas ela disse que não voltaria para a fazenda, nem mesmo para trabalhar, acabei virando a garota de recados dela e obviamente meu pai surtou, ainda mais quando eu disse que ela não voltaria mais e levaria os meninos com ela. Silvana disse que não sairia dali e que todas as coisas da casa eram dela também e que Maria Flor não deveria pegar nada, eu estava pouco me fudendo para Silvana e o fato dela ser uma interesseira de merda, eu estava preocupada como toda aquela situação estava afetando o emocional de Maria Flor e Isaura, além de mexer com os meninos e a rotina deles.

Minha doce matuta (Romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora