Prólogo

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Segunda-Feira, 09:35

(Coréia do Sul)

   Corria na calçada, se desviando de algumas pessoas que estavam em seu caminho, mas até mesmo esbarrando em algumas e os ouvindo vociferar o porquê que ele deveria ter educação e voltar para pedir desculpas.
   Vozes. Ele estava cansado de ouvi-las.
   Segurou seu boné e continuou a correr.
   Respiração ofegante, roupas encharcadas pela água da chuva, seu corpo prestes a cair sem forças... Não, ele não poderia parar. Não naquele momento. Cada parte dele pedia que fugisse, mesmo não tendo como fugir. Era inevitável.
   As lágrimas se misturavam com as gotas de chuva que desciam por todo o rosto de Jungkook. Doía. A sua alma doía.
   Em seus pensamentos, só o fato dele ser um miserável, da sua mãe ter morrido, do seu pai ter sido um alcoólatra agressivo, de nunca ter alcançado nada em seus vinte e três anos de vida... Estudar nunca foi opção. Como ele poderia pensar em estudar quando em sua casa não tinham nem o básico para sobreviver?
   Porém, tinha apenas doze anos quando tudo aconteceu. Uma criança.
   Por que ele tinha que ter vívido assim? O que ele fez para ter merecido isso? Não sabia, e essa dúvida o matava. A cada dia ele se corroía em pensar que poderia estar trabalhando com o que gosta, com o que ama, mas teria que viver durante toda sua vida sendo faxineiro em uma escola de elite.
   Via jovens arrogantes no topo da pirâmide social reclamando por não ter uma roupa ou um celular que está na moda, vivendo na sua própria bolha. Jungkook ouvia aquilo e pensava no quanto gostaria que todos seus problemas se resumissem a coisas tão banais e dignas de pouca atenção. Ah, como ele seria feliz.
    A cada dia de trabalho, Jeon aguentava comentários de estudantes dizendo: "Eu pediria o número dele se ele não estivesse preocupado em limpar as sujeiras que deixo no chão" ou "Deveria ser proibido contratarem garotos tão bonitos para trabalharem de forma tão medíocre.".
   Ele poderia jurar que os comentários não tinham como piorar, mas estava terrivelmente enganado.
   Naquela manhã, uma das professoras da escola passou por ele enquanto falava com alguém no celular.

— Amor, leve nosso filho para a escola hoje, certo? Você acredita que tem um rapaz bem jovem que trabalha limpando os corredores da escola? Tão bonito, tadinho. Quero que meu filho estude para não acabar nessa vida miserável, sabe?

   Isso foi a gota d'água para ele. Pegou a sua bolsa, e sem esperar que seu horário de trabalho terminasse, saiu. Estava chovendo, mas isso não importava. Seu peito estava apertando e as lágrimas já desciam. Não sabia para onde estava indo, só queria fugir de uma vez por todas das pessoas, da sua vida tão digna de pena. A mente de Jungkook estava sobrecarregada de tantos pensamentos sobre o passado, sobre o presente e ansioso para saber o que ele seria no futuro. Ainda seria humilhado ou a luz apareceria para ele pelo menos uma vez?
   A visão embaçou por conta da água, sua perna enfraqueceu e sua garganta fechou. Quando estava prestes a atravessar a rua, diminuiu os passos, sentindo que iria cair, quando antes disso acontecer, algo colidiu contra ele.
   E então, tudo escureceu.

ᝰ.ᐟ

    A sensação era de que um caminhão havia passado por cima de Jungkook. Todas as partes do seu corpo latejavam e queimavam com uma leve dor, mas que era um pouco agoniante. As pálpebras abriram vagarosamente, demorando para entender que estava deitado e debaixo de um teto de cor branca.
   Um hospital?
   Os olhos se arregalaram, o que fez o rapaz enxergar uma mulher andando de um lado para o outro. Seus braços estavam cruzados e parecia bastante nervosa. Por acaso tinha algum parente distante que não conhecia? Bom, aquilo era o de menos. Ele apoiou as mãos na maca e fez força para tentar sentar, chamando a atenção daquela moça.
   Ela o encarou por alguns segundos e um sorriso se escancarou em seus lábios. Parecia aliviada. Ele iria falar algo, mas a mulher saiu correndo para porta e começou a acenar para alguém.

— Enfermeira! Enfermeira! — saltitava um pouco. — Ele já acordou!

   Aquela alegria deixou Jungkook tonto. Sua cabeça doía, seus olhos estavam inchados por conta das lágrimas e sua perna estava enfaixada. Bom, a cabeça também. Havia acabado de perceber.
   Suspirou e sentou na maca, esperando explicações da enfermeira assim que ela chegasse. Queria explicações daquela moça também. Usava um vestido bege com várias estampa de cerejas, juntamente com um salto vermelho e cabelos bem arrumados.
   Jeon, bem... Vestia uma roupa de hospital. Parecia injusto e hilário até certo ponto.

— Bom dia, senhor Jeon.

— Bom dia.

   A enfermeira já estava ao lado da maca mexendo no soro e segurando uma ficha.

— Bom dia. — a moça dos saltos vermelhos se aproximou da maca. — Como está se sentindo?

— Bom dia. Acho que estou bem. — ele achou aquela pergunta muito incomum, levando em conta que estava em uma cama de hospital. — Eu poderia saber quem é você?

   A mulher engoliu o seco e o sorriso simpático desapareceu em poucos segundos, resmungando alguma coisa que não deu para entender. Parecia ter sido dita em outra língua. Isso apenas atiçou a curiosidade dele.
   Ela pigarreou e o encarou, então como se não fosse nada demais, disse:

— Sou a Ella Sanchez e atropelei você.

   Ótimo! Ele havia sido atropelado.

— Você me atropelou e fala isso com naturalidade?

— Perdão, acho que dar essa notícia chorando não seria adequado.

   Então ela queria dar uma de engraçadinha também? Legal.

— Senhorita Sanchez, não acha que...

— Senhor Jeon, tenho algumas notícias para lhe dar. — a enfermeira foi para o lado da moça. — Terá que ficar internado sem uma data prevista para alta. Infelizmente, sua perna foi fraturada no acidente e também há ferimentos na sua cabeça. A senhorita Sanchez está pagando a conta do hospital. Tenha um bom dia! Qualquer coisa, pode me chamar.

   Então, a enfermeira saiu sem dar nenhuma chance para Jungkook perguntar alguma coisa. Ele estava incrédulo.
   Havia sido atropelado, teria que ficar internado e perdeu o trabalho. Que ótimo, mais problemas! Travou o maxilar, pensando no que fazer para resolver a sua situação o mais rápido possível. Afinal, ele precisava sair do hospital, mas também precisava de dinheiro e...

— Você perdeu seu celular. Ele estava cheio de água.

   Já tinha se esquecido da presença daquela mulher.

— Mais uma notícia boa para mim.

— Ah, você também perdeu seus documentos e...

— Eu agradeceria se você parasse de falar.

— Mas me pediram pra dizer isso para você.

— Eu agradeço, mas não quero ouvir nada agora. Nem notícias boas, muito menos ruins.

   Jungkook viu Ella abrir a boca para revidar, então suspirou e logo interrompeu:

— Poderia me deixar sozinho? — sua voz soou mais ríspida do que gostaria. — Por favor, é apenas isso que eu peço para você.

   A moça novamente resmungou alguma coisa que não dava para entender, mas Jungkook sabia que provavelmente era algum adjetivo ruim dado para ele.

— Certo, mas amanhã estarei aqui de novo.

   Então Ella saiu da sala, com uma postura decidida e orgulhosa. Por que ela iria para o hospital novamente? Já havia causado problemas suficientes.
   Jungkook deixou isso de lado e voltou a deitar na maca. Desabou em lágrimas. Como sempre, sua vida virada de cabeça para baixo.
   Algo bom teria que acontecer com ele. Pelo menos uma vez.

Quando Juntos, Somos Eclipse | JungkookOnde histórias criam vida. Descubra agora