Capítulo 3

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     Por onde começar? Melinda não tinha a mínima idéia quanto ao primeiro passo que deveria dar, e se o plano era garantir que o seu passado estivesse enterrado, não poderia simplesmente procurar uma forma de se encontrar com Amir, porque ele já estava na mira do FBI.
    Então, considerando que o amigo estava claramente incomunicável, descidiu se concentrar na segunda etapa da decisão que havia tomado no dia anterior. Sua familia ainda estava temporariamente hospedada num hotel, mas o seu marido já havia firmado o contrato de aluguel da casa nova e estava fazendo os novos ajustes. Tudo isso significava que provavelmente em dois dias eles estariam definitivamente instalados, e tragicamente colados na nova equipe do marido.
     A falta de ar fez o seu corpo se dobrar, e colocou as mãos nos dois joelhos, como se aquela posição permitisse uma entrada maior de oxigênio. Definitivamente, o seu corpo não estava mais preparado para correr como antes, e os músculos doendo só confirmavam a sua situação de sedentarismo.
    Acalmou a falta de ar com uma série de técnicas de respiração, e esticou os músculos latejando, antes de entrar no estabelecimento de iluminação precária e público movimentado. Aquele lugar não estava tão abandonado como achou que estaria. Ao contrário, desde a última vez que esteve ali a acadêmia passou por tantas reformas que mal pode reconhece-la. No entanto, o público alvo ainda parecia ser o mesmo: lutadores, novatos, e pessoas com uma bela lista na ficha criminal. Num bairro onde a criminalidade e a pobreza reinava, não era nenhuma novidade.
   
-Posso ajudar? -a recepcionista interrompeu a sua entrada.

-Quanto é a hora?

-50 dólares.

-50? -ergueu uma sobrancelha. -Esse é o preço geral, ou é só pra novatos?

        A mulher examinou o corpo dela dos pés a cabeça, claramente duvidando do que estava vendo.

-Você luta?

-O que você acha?

-Se quer um desconto, fale com o chefe.

-E onde ele está?

-Ali. -apontou.

       Um sujeito pendurado nas cordas do ring de boxe olhou na direção das duas, como se soubesse que estava sendo apontado, e examinou o que estava acontecendo.

-Ele? -duvidou. -Parece jovem demais pra gerenciar tudo isso.

-É negócio de família. -respondeu. -Se quer pedir desconto, é só ir. Mas não garanto nada.

-Deixa pra lá. -mudou de idéia. -50 dólares, né? -tirou cem dólares do bolso.-Isso vai servir.

-Tem luvas ali no balcão.

-Não precisa.

         Melinda desviou o olhar do dono da academia e procurou o saco de boxe mais escondido. O preço era salgado, mas se existia uma academia que conseguia desviar qualquer fonte de vigilância da polícia era aquela, e estar ali era desfrutar da privacidade que precisava.   
     Academia do Bob sempre teve o mesmo público alvo, e consequentemente também era lá que as lutas clandestinas eram contratadas. Era como uma carne no açougue: o investidor chegava, examinava cada lutador e selecionava aquele que deixasse o seu estômago satisfeito. Por causa disso, o apoio desses investidores influentes protegia o local da presença da polícia e de qualquer fonte de vigilância externa.
    Retirou dois rolos de esparadrapos do bolso e enrolou os punhos. A pele da sua mão não estava mais tão rústica como antigamente, e obviamente não aguentaria as primeiras sessões de treinamento. Seria difícil chegar em casa com a pele partida e enrolar o agente do FBI que dormia do seu lado. Então, a melhor opção era enfaixar até que estivesse mais acostumada a rotina, ou que pelo menos o inverno chegasse e pudesse usar luvas.
    Uma sensação esquisita percorreu o seu corpo assim que deu os primeiros socos no saco de areia, e um meio sorriso  quis escapar dos seus lábios por lembrar do quando gostava de fazer aquilo. Mas manteve a mesma expressão de antes, porque sorrir como boba no meio daquelas pessoas não era uma boa idéia.
   Apesar dos músculos não responderem bem ao esforço, já era um alívio que a sua mente se lembrasse de tudo e a memória muscular continuasse intacta. O corpo estava enferrujado, mas a mente e a habilidade eram as mesmas, e foi exatamente isso que chamou a atenção do sujeito que outrora estiva analisando as duas mulheres de longe.
     Uma dúzia de golpes foram disparados no saco de areia, e as pernas dela gritaram quando se chocaram contra o alvo, um esforço que dificultou ainda mais a sua respiração precária. Realmente o seu condicionamento físico estava péssimo, e constatou que no momento, esse era o problema principal a ser corrigido.
   Forçou ainda mais a sua velocidade, apertando os dentes por causa da dor, enquanto o cérebro recordava a sequência de golpes que costumava usar. Aquilo parecia uma alucinação, ou talvez até um déjà vú, e seu corpo trabalhava como se estivesse recitando uma receita conhecida. Mas nada disso impediu o seu pulmão de queimar, implorando por um descanso que em poucos segundos foi obrigada a seder.
 
-Você não preencheu a ficha.

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