(Aviso de conteúdo: racismo)
1910
O casarão cheio fazia o peito de Kelvin subir e descer de nervosismo, os olhares de relance para si não deixavam certo se fofocavam sobre seu cabelo, sua roupa ou sua reputação. Para se acalmar mantinha o braço colado ao da irmã mais nova, Graça, que diferente dele olhava para as pessoas com curiosidade e admiração.
–Minha Santa Senhora. - Ela falou em surpresa baixinho, se aproximando mais do irmão que não entendeu o motivo das pessoas terem parado suas conversas.
O coronel Oliveira, dono do casarão e anfitrião da festa, deu uma gargalhada percebendo a mudança do clima. E foi acompanhando o coronel bruto com o olhar que Kelvin conseguiu entender o que havia chocado parte da elite mineira.
–Meu amigo! Que honra receber e sua família em minha casa. - Disse saudosista chocando algumas pessoas ao apertar a mão de um homem de cor.
Antônio Francisco de Almeida Neto, fazendeiro baiano e mulato, abriu um sorriso apertando a mão do Coronel, não soltando o braço de sua mulher, Maria Isabel, uma mulher retinta e bem costurada. Logo após, foi a vez dos seus dois filhos que puxaram muito mais a mãe cumprimentarem o Coronel o tecendo elogios pelas terras e a hospitalidade.
–Agora algo que eu não entendo, - o Coronel falou aumentando a voz - o porquê de tantas pessoas estarem tão interessadas em nossa conversa! - Exclamou e os de pele branca deixaram de olhar para a família, constrangidas por terem sidas pegas no flagra.
Porém, era difícil não olhar, porque além de ser uma cena incomum ver uma família de um mestiço mais uma mulher negra retinta - pois a maioria dos mulatos optam por casar com mulheres brancas - eles passavam muito mais classe que todos ali. O fazendeiro era um homem alto, forte, com um bigode marcado e vestes bem passadas, sua mulher era alta, esbelta, calada, escondia os cabelos em uma peruca e o corpo era coberto por um vestido brilhoso. Os filhos arrancavam murmúrios das moças; eram dois homens altos, com a barba bem feita, bem vestidos e com tom de voz educado e polido, o que era difícil para os maridos que tentavam conter os olhares de suas esposas.
–O que esse lugar se tornou. - Manuel Santana resmungou próximo a seus filhos enquanto tentava disfarçar seu olhar de desdém à família.
–Acreditei que o senhor estava gostando da festa, meu pai. - Kelvin falou olhando para outro canto da festa, não dizendo diretamente para o homem.
–Antes desses crioulos chegarem, o mulato até entendo, mas precisava trazer a mulher? O coronel não se importa com o que vão dizer da família dele? Duvido que mais alguém venha para um jantar na Fazenda Oliveira. - Disse se virando para os filhos, notando que a sua esposa se aproximava como se tivesse algo muito importante para contar.
–Querido, - ela falou, no tom que todos da casa conheciam como repreensão - seria interessante se tirasse essa carranca, Coronel Oliveira é importante para os negócios e a educação nos pede para almoçar até com porcos na mesa se o anfitrião pedir. - Disse percebendo que o esposo contorcia os lábios debaixo da barba ruiva.
–Descobriu a razão deles estarem aqui? Além do convite do coronel, claro. - Kelvin perguntou a mãe, dando um beliscão leve na irmã para que ela parasse de olhar.
–Ele é neto do Barão de Guaraciaba, aqui de Lagoa Dourada, e soube que tem muitas terras na Bahia. - Disse mexendo no cabelo para disfarçar - Seria interessante se fossemos cumprimentá-los, o que acha?
–Cumpri- Não finalizou a frase, percebendo nos olhos claros da esposa o pedido para que ficasse mais calmo - Durante a noite podemos nos aproximar, mas vocês duas não se aproximem deles desacompanhadas - Alertou a mulher e a filha - Não se afaste do seu irmão.
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passado presente - kelmiro
FanfictionRamiro sempre foi intrigado por uma voz misteriosa que o chamava durante sua infância no interior. Mesmo sem entender sua origem, ele sentia uma conexão profunda com essa presença invisível, que não o assustava, tão pouco o confortava. Anos se pass...