O casarão. (part. 1)

86 10 8
                                    

2022

Many days I've longed for you...

O verde enchia os olhos de Kelvin, tentava se manter animado, positivo, mas era um esforço que ele não estava tendo energia para colocar em prática. Olhava para a estrada pensativo, enquanto segurava a mão do pai e fazia um carinho singelo com o polegar, até que o senhor abriu a boca para dizer mais uma vez:

–O céu está lindo. - O rapaz ao seu lado assentiu se sentindo cansado, pelas suas contas aquela era a sétima vez que ele falava aquela exata frase.

–Está mesmo, muito lindo o dia hoje, tio. - Graça falou do banco da frente, virando a cabeça com um sorriso e muito mais paciência - Quando chegarmos à fazenda o senhor vai aproveitar o dia para tomar banho de piscina?

–Eu não, - disse o velho, rangendo os dentes - não vou tomar banho, eu vou só trocar de roupa.

–Seu Matias vai dormir fedendo? - Jonatas, que estava no volante, falou em tom de brincadeira, mas não conseguiu arrancar nenhum riso do senhor - Não pode, tem que dormir cheiroso.

–Menino, - Matias disse olhando para Kelvin, esse que estava grato dele não ter notado o contato das mãos, pois sua irritabilidade com contato físico estava crescendo mais nos últimos tempos e Kelvin mal conseguia trocar um afeto sem escutá-lo resmungar - para onde a gente está indo?

–Estamos indo para uma fazenda da família de Jonatas, pai. - Kelvin respondeu, notando no olhar do homem que ele reconhecia Jonatas e Graça - Sua irmã Gladys vai estar lá, vamos passar um bom tempo juntos.

–E avisaram Cristina dessa viagem? - Perguntou, deixando um silêncio desconfortável no carro.

–Graça, eu acho melhor... -Kelvin tentou dizer, mas a prima negou antes mesmo que ele pudesse protestar.

–Kelvin vai ser bom, confia em mim, você merece um momento de descanso e meu tio também, não me sentiria bem se vocês passassem esse fim de ano longe da família.

–A fazenda é grande, Kelvin, tem muito com que se distrair - Jonatas tentou dizer a fim de acalmar o Santana - e a casa vai estar cheia, minha família toda vai estar lá, vocês serão muito bem vindos.

–Não tenho dúvida alguma que seremos bem vindos, mas essa mudança de rotina me assusta, - disse olhando para o pai de maneira disfarçada, desistindo de dizer o que queria - vocês não entenderiam.

E nenhum dos noivos ousou em contrapor aquele fato, pois mesmo assistindo a dimensão da dor de Kelvin, realmente nunca conseguiriam entendê-la. Todos sabiam que a vida do rapaz não era fácil, principalmente nos últimos tempos, e aquela pena que rodava ao seu redor o deixava com raiva por colocá-lo em uma situação de tanta vulnerabilidade.

Porém, aceitava as ajudas de Graça, a única prima que ele era próximo e poderia considerar uma amiga, pois sentia nela um desejo genuíno de vê-lo bem, mesmo com o caos que sua vida havia se tornado. Passar pelo luto da mãe, Cristina, estava sendo difícil para todos que tinham carinho por aquela mulher, mas muito mais difícil para Kelvin que precisou segurar as rédeas após a piora do Alzheimer do pai. Mesmo sendo diagnosticado precocemente a sete anos atrás, Matias nunca tinha mostrado aquele nível de esquecimento das coisas, perder - como ele mesmo dizia - o grande amor da sua vida estava sendo tão difícil de digerir, pior, ele mal conseguia engolir ainda, sentindo o gosto da vida da mulher em sua boca.

Por isso Kelvin entendia o motivo do convite de Graça para passar aquele fim de ano na casa da família do seu noivo, a prima não queria que ele passasse o primeiro Natal sem a mãe e cuidando do pai, aquele clima fúnebre que passaram durante o ano não seria saudável. Ela queria salvar o primo que fez ela se cativar, mas parece que aquele Kelvin se perdeu em meio às dores e responsabilidades que pesavam seus ombros.

passado presente - kelmiroOnde histórias criam vida. Descubra agora