Epílogo

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Kelvin vinha da cidade fronteiriça entre os Estados de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, chamada Carneirinho.

Passou lá a transição entre criança feliz, que vivia em seu próprio mundinho cor de rosa à adolescente que queria viver a vida dançando e cantando como as divas pops que via na televisão de tubo de sua avó.

Foi assim que aprendeu inglês, com a ajuda de sua dinda ao som de hits dos anos 70, 80 e 90. Ela comprava revistas de adolescentes com as letras de músicas, onde na capa haviam ídolos teens norte americanos e brasileiros, e com um caderno ela fazia o menino de olhos doces escrever as palavras em inglês a mão para compreender melhor a língua estrangeira.

Naquela terra ele foi feliz... até não ser mais.

Até aos 15 anos não aguentar mais as ordens e os planos de seu pai, que queria que seu único filho homem assumisse a posição de "homem de família" e fosse trabalhar, e parasse com a ilusão de um dia ser mais do que um homem que vivesse da terra.

Por isso a idéia de se apaixonar por um homem que literalmente vivesse da terra nunca cruzou seus pensamentos... até, claro um moreno com três botões da camisa abertos cruzar o seu caminho e grudar em sua cabeça como um hit pop dos anos 90.

Já Ramiro viveu até seus 8 anos de idade numa pequena cidade na beira da MS-170, era o segundo filho homem de seus pais, e quando seu irmão apenas 1 ano mais velho adoeceu seu pai mandou o menino trabalhar para ajudar com as despesas, e como as coisas normalmente acontecem numa terra simples como aquela, de boca em boca ele foi parar em uma terra longe de casa para trabalhar para um homem sem escrúpulo algum que explorava meninos como ele para trabalho braçal nas plantações de soja e milho, pagando uma miséria privando-os de educação e os abusando tanto emocionalmente quanto fisicamente.

Fácil nunca esteve no vocabulário de Ramiro, que foi afastado de tudo e todos que conhecia, de seus irmãos que seguiram destinos parecidos e se espalharam pelas vastas terras do Mato Grosso do Sul e que muito antes de completar a maioridade já possuía um revólver dado por seu patrão exclusivamente para matar.

E assim Ramiro conheceu a morte antes mesmo de conhecer o amor.

O mundo dele era preto no branco, ou você estava do lado do patrão ou estava contra. Não havia meio-termo.

E já tinha até feito ás pazes com o futuro que nunca escolhera.

Sua profissão? Escolha do pai.
Suas habilidades? Escolha do patrão.
Sua futura mulher? Escolha da mãe.

E assim ele esperava se tornar a pessoa que ele mais admirava no mundo, a pessoa que ele pensava amar: Seu patrão.

Mas já deixamos claro que ele não sabia amar.

Não sabia o que era amor, até cruzar caminho com um homem que exalava todas as cores que faltava em sua vida. Onde antes era escuridão, Kelvin com seus olhos delineados e purpurinados, iluminou o caminho que o levou agora o ex-peão ao entendimento.

Se entendeu como homem, como preto e como gay.

E agora: Casado.

×××××

Ramiro cumpriu sua pena com a sociedade. E agora se via livre e pronto pra recomeçar. Do jeito certo e com a pessoa certa.

Foi o amor que o curou, e esse amor perdurou mesmo após a sentença ser definida.

Quatro anos.

Quatro anos que eles passaram por poucas e boas. Mas que venceram todos os obstáculos.

Não foi a toa que se casaram no pátio do presídio já que aquele era seu último dia como detento.

E não desperdiçaria um dia de liberdade não chamando seu pequetito de marido, e amando-o com toda a fibra de seu corpo. Deixando claro pra quem bem entendesse que era louco por aquele loiro, e que eles eram sim, um casal.

Não se esconderia nunca mais.

A hora de liberação chegou, e Ramiro pode sair dos muros da cadeia de mãos dadas com o amor de sua vida.

Como ele fez questão de organizar a cerimônia. Falando com o diretor, limpando o pátio com os Jão companheiros de cela, Kelvin ficou responsável por cuidar da festa e da lua de mel.

Levou tão a sério que durante os meses de preparo para a cerimônia, ele tirou sua carteira de habilitação.

Saíram ovacionados pelos amigos, que jogavam grãos de arroz neles. Estavam vestidos com roupas diferentes da cerimônia e da curta festa que fizeram no pátio, Ramiro ficou surpreso com a decoração que sua caminhonete havia recebido. 'Kelmiro' estava escrito na janela de trás, e um arco-íris feito de papel crepom em fitas esvoaçava da caçamba fechada.

Sorriu, ao ler as palavras 'Kelmiro'.

Eram eles, afinal.

Kelvin Neves Santana & Ramiro Neves Santana.

KM - KELMIROOnde histórias criam vida. Descubra agora