03 - Deixa queimar até o fim

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27 de Junho de 2012.

Querido Bernardo,

É fácil perceber quando se está sozinho. É só, literalmente, olhar para os lados e ver. Agora, sentir e aceitar a solidão... Às vezes demora, começa com pequenos sinais. Algumas coisas vão acontecendo até você perceber que tem algo errado.

Tipo estar andando por aí com o cabelo bagunçado e ter ninguém próximo para avisar - os estranhos na rua passam, veem, e seguem suas vidas. Não me leve a mal, mas num dos meus primeiros dias de aula aí na escola eu estava com uma mancha de caneta na parte de trás da bermuda e ninguém avisou. Quando cheguei em casa e tirei a roupa, entendi que as risadinhas na sala e no intervalo eram pra mim.

Hoje mesmo percebi que meus tios foram as únicas pessoas com quem falei nesta semana. Não querendo dar a entender que eles não contam como companhia, mas, você sabe, a gente precisa mais do que a família.

Já passei vários aniversários só com meus pais e irmãos. Não foram ruins. É até uma tradição lá em casa. Minha mãe cozinha a comida favorita do aniversariante e comemos o bolo de aniversário de sobremesa - cada um tem o seu sabor favorito que se repete todo ano, o meu é de brigadeiro. E a última vez que chamei amigos para participar foi, sei lá, com uns quatro anos de idade. Depois disso, apesar de em algumas épocas ter sim alguns amigos próximos, nunca senti que eles de fato queriam estar comemorando comigo. Dois anos atrás nenhum sequer se lembrou do meu aniversário.

Meus irmãos sempre chamavam um ou outro amigo para jantar com a gente no aniversário deles. É legal como alguns rostos se repetem há anos.

Quando nossa avó faleceu, esses amigos deles estavam por lá. Ficaram com meus irmãos durante todo o velório e dois ainda passaram a noite com eles. Nenhum amigo meu apareceu no velório. Bem, se nenhum queria ficar de bobeira comigo durante o dia, logicamente não iriam comigo a um enterro, né?

Agora que estou passeando mais por Àttinos de bike, consigo ver um grupo ou outro de amigos curtindo as férias por aí. É claro que tenho que me dar uma colher de chá porque sou novo na cidade e não conheço ninguém, mas, mesmo assim, essa sensação aperta o peito.

[...]

-

Írios já estava quase cansado de pedalar durante o passeio matinal. Suas pernas pediam arrego e ardiam. Pensava em dar meia volta pela estrada de terra, mas uma movimentação a uns cem metros na sua frente o fez desistir. Eram outras duas pessoas de bicicleta, mas era difícil distinguir maiores detalhes estando tão longe.

Num primeiro momento ele manteve distância e até desacelerou para ficar despercebido. Mas a curiosidade o atiçou a apertar a velocidade. Ficou de pé sobre o pedal para dar uma disparada suficiente para chegar perto rápido. Os dois iam meio devagar, numa pedalada morosa. Isso porque Írios percebeu que estavam conversando.

- Acha que o Julian vai mesmo na cerimônia? - o garoto de cabelos raspados na bicicleta preta perguntou inseguro. Ele estava vestido todo de preto, o que Írios imaginou ser um incômodo abaixo daquele sol.

- Oxe, oxe, oxe - a garota de cabelos trançados na bicicleta ao lado protestou. - Ele num tá é maluco de num ir, Breno. É pelo Eichler.

Mesmo distante, com o vento raspando pelos seus ouvidos e dificultando a audição de Írios, ele sentiu um peso na voz da garota. Principalmente no último nome que disse.

- É que ele não pareceu muito a fim, sei lá - Breno preocupou-se. - Acho que vai ser mesmo só tu e eu, Pólen.

- Se ele num dá a cara na fogueira amanhã, faço um sapo brotar da bunda dele. Pode ver. Ayê, onde já se viu não ir na despedida que a gente preparou - mesmo sendo uma fala absurda para Írios, pelo tom ressentido da garota, não duvidaria que ela realmente faria aquela maracutaia com sapo.

Por Onde Andou Eichler?Onde histórias criam vida. Descubra agora