07 - A maracutaia de Pólen

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A casa de Amélie não ficava longe da casa dos tios, mas as pernas de Írios queimavam de tão rápido que ele pedalava a bicicleta enferrujada. A capa de chuva laranja cobria seu corpo todo, mas não impedia as gotas de molharem seu rosto e atrapalhar a visão das ruas.

Quase perdeu o controle da bicicleta algumas vezes - em uma derrapou tanto que quase saiu da pista e caiu no gramado, mas recuperou o controle rapidamente. Já estava se sentindo quase radical e dominando aquela bike encostada.

Não sabia bem o que esperava encontrar por perto da casa da garota desaparecida, mas não conseguiu conter o ímpeto de sair de casa para ir até lá. Passou o dia todo pensando naquilo e na explosão. Talvez algumas respostas caíssem no seu colo caso estivesse por perto.

Chegando nos arredores do destino, arremessou a bicicleta no gramado da casa de um vizinho e se aproximou da movimentação da casa da garota. Nunca tinha ido andar por aquela vizinhança, mas foi fácil de achar - só seguir a direção das outras bicicletas e transeuntes. Tinha olhado no mapa também para se localizar. Precisou passar novamente pela floresta de araucárias, mas apertou o passo no pedal para não correr o risco de ficar preso em líquen de novo.

Ficou de longe olhando a movimentação. Havia muita gente na casa da garota criando um entra e sai danado. Provavelmente amigos e familiares dando apoio. Írios viu nos jornais que o desespero da mãe pelo sumiço da filha era sofrido e muito estarrecedor.

Como não queria se meter direto assim, preferiu chegar até os fundos pelo quintal de uma outra casa vizinha. Bisbilhotou e conseguiu ver pessoas encapuzadas saindo pela trilha. Eram os grupos de busca. Olhou para dentro da floresta e também percebeu que lá haviam mais pessoas. Gritavam por Amélie e acenavam bastões brilhantes para conseguirem ver melhor. Deveriam olhar atentamente para todo canto. Ela poderia estar em qualquer lugar - numa caverna, atrás de uma raiz ou pedra, escondida num tronco, etc. Viva ou morta.

O garoto teve vontade de puxar uma autoridade para o lado e contar de verdade o que havia visto naquela noite. Talvez pudesse ajudar na investigação ou mudá-la para uma linha mais certeira. Mas havia um receio de se lascar com isso. Talvez até... ser expulso da cidade, quem sabe? Imaginava estar de volta no mundo dos humanos e já ficava completamente arrepiado com essa possibilidade.

Se não confiava na guarda municipal para contar o que sabia, então deveria trocar com quem já estivesse por dentro do que aconteceu. E sabia exatamente onde encontrá-la.

A chuva deu uma trégua no meio do caminho para o centro. O garoto já estava exausto de pedalar, então, quando chegou no destino, se escondeu debaixo de uma marquise para recuperar o fôlego. Só depois foi prestar atenção ao redor.

A praça estava mais vazia que de costume por causa da chuva, mas algumas pessoas já se organizavam de volta por ali. O garoto entrou acuado na sorveteria sem muita esperança de encontrar quem queria, mas surpreendeu-se ao vê-la sentada na última mesa dos fundos, sozinha.

Írios até se sentia um pouco mal por saber tanto sobre a rotina daquela garota, mas ele não tinha culpa se ela fazia coisas parecidas com ele. Eles já se viram logo no primeiro dia em Àttinos, na pista de skate, enquanto esperava seu tio. Depois nos passeios de bike por perto da casa dos tios. As vezes que Írios chegou a ir até aquela sorveteria não foram muitas, mas em todas Pólen estava por lá.

Hesitou e voltou para fora da sorveteria. Não podia ficar muito exposto para ela. Ficou corado só de imaginar a possibilidade de ser visto. Mas ainda sim queria abordá-la para que eles pudessem conversar sobre as luzes púrpura, turquesa e narciso na floresta.

Ficou ensaiando entrar na sorveteria por tanto tempo que Pólen acabou sua sobremesa e saiu pelo lado oposto do estabelecimento. Só a notou quando ela puxou sua bicicleta escorada num ipê e pedalou para longe.

Por Onde Andou Eichler?Onde histórias criam vida. Descubra agora