19 - A sombra de Eichler

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O silêncio tomou conta do refúgio. Até os animais de dentro da estufa pareciam ter se acalmado e abaixado o volume dos pios e chiados. Já os jovens, bem, cada um dos estava processando a informação de uma forma diferente.

- Esse lugar tá me deixando sem ar - Pólen comentou com a mão na garganta e um olhar preocupado, então logo se agitou para sair de volta à clareira e foi seguida por Írios e Chiano.

A garota sentou no gramado porque as pernas mal conseguiam sustentar. As dúvidas e questões que pairavam sobre sua cabeça estavam demandando tanto raciocínio que o restante do corpo teve que redirecionar toda a energia para a cabeça. Até para manter a respiração regularmente teve que se esforçar.

Ela buscava na memória as suas interações mais recentes com Eichler e as reviveu para ver se, em retrospecto, conseguia fisgar qualquer informação que pudesse indicar que o garoto estava realmente doente. Mas sem sucesso. Era óbvio que ele estava escondendo aquilo. Mesmo assim, Pólen queria encontrar algum indício, algum sinal, que talvez ele tivesse deixado escapar. Queria validar essa realidade conforme sua própria ótica.

Já Írios tentava lidar com um certo pesar em relação ao Eichler. Era curioso nutrir esse tipo de sentimento por alguém que já se foi - e que nem chegou a conhecer -, mas aquela era a sua experiência com o garoto: ele ia se construindo aos poucos no seu imaginário. E cada peça era mais complexa que a anterior. Elas se juntavam para formar um quebra-cabeça maior, mas a figura que estampava nele continuava difusa, até irreconhecível. E mais e mais peças chegavam, sem nenhuma borda para indicar um fim ou limite.

Chiano tentou ser mais pragmático, só que um amargo ainda lhe rondava porque também tinha um irmão mais novo. Pensava sobre toda aquela pesquisa que leu dentro do refúgio, imaginando como deveria ter sido angustiante para Hugo tentar buscar em vão uma cura para a doença degenerativa de Eichler. Era até paradoxal que um dos jovens feiticeiros mais talentosos da escola estivesse com uma condição tão rara: o próprio corpo se destruía tentando expulsar sua magia. Pelo pouco que viu nos papéis, Chiano entendeu que nem mesmo fazendo a magia de Eichler decair ao máximo - colocando-o num deserto espiritual, por exemplo - seria capaz de fazê-lo parar de se corroer por dentro.

Para Chiano, ainda havia outro ponto que quebrou toda a sua forma de ver o que estava fazendo nos últimos dias: como que a doença de Eichler e sua busca pela cura poderiam ter feito com que Amélie tivesse desaparecido? As duas coisas pareciam estar se distanciando. Então o garoto ficou preocupado sobre o tempo que perdia estando junto ao grupo. Amélie e as respostas ao redor dela poderiam estar num caminho diferente daquele. Quem sabe esse desvio não estivesse deixando a namorada ainda em mais riscos?

O garoto loiro, inquieto em seus pensamentos, andava de um lado para o outro, acumulando uma energia que uma hora acabou explodindo pela sua boca:

- O cara tinha uma doença terminal e morreu porque caiu de uma árvore... Acho que ele tava destinado a partir dessa pra melhor, mesmo.

Írios encarou Chiano com preocupação. Não entendia como o garoto ainda não tinha se dado conta da hipótese velada, mas óbvia, que pairava no ambiente. Então comentou no pé de seu ouvido para que Pólen não escutasse:

- Acho que ele preferiu se partir antes de que fosse... partido. Entende?

- Ah. Puxa - Chiano murchou os ombros e sentiu-se estúpido.

Pólen afastou a nuvem de memórias que ainda não havia lhe dado resposta alguma e voltou a pensar em outro ponto que para ela era muito valioso: entender os passos do amigo.

- ...Hugo deve ter passado meses estudando pra encontrar uma cura antes de precisar viajar. Então Eichler pode ter vindo aqui ver se o irmão tinha deixado algo, ou tentar terminar ele mesmo o remédio. Uma última tentativa.

Por Onde Andou Eichler?Onde histórias criam vida. Descubra agora