20 - A seresma e o macavenco

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Quando caiu em si, Breno tentou recuperar o controle de seu corpo para não deixar mais seu peso solto sobre Írios. Eles descolaram os lábios, mas continuaram com os rostos próximos. As respirações desconcertadas ainda se encontravam entre eles. Os olhares ficaram compenetrados a poucos centímetros um do outro, entrando a fundo nas íris e nas suas intenções.

Os dois garotos só saíram do transe quando um estalo surgiu ao fundo. Breno, de forma desajeitada, recuperou o equilíbrio e ficou de pé para olhar ao redor, buscando a origem do som repentino.

Írios demorou mais para se levantar. Ficou um tempo de costas no gramado, mesmo sabendo que também deveria ficar em alerta. Mas suas pernas estavam bambas demais para lhe darem estrutura rápido o suficiente. Seu coração acelerava tanto que ainda estava tentando entender se aquele descompasso todo lhe fazia mal ou se era consequência de um sentimento bom.

Enquanto tentava se recuperar, outro som soou, desta vez mais alto e forte.

Aquele som veio do alto, das copas. As folhas e galhos se mexiam com violência e era difícil ver o que estava causando aquilo. Parecia ser um animal pesado usando o topo das árvores para se locomover. Era como se um enorme gorila conseguisse se balançar entre os galhos na velocidade de um ágil mico.

Breno acompanhou com a vista aquilo se movimentar sobre eles e pegar o rumo da trilha que levava à clareira onde estavam antes. Bastou uma troca de olhares assustados entre os dois garotos para concordarem sobre o que deveriam fazer: voltar para lá e garantir que Pólen e Chiano estivessem em segurança e cientes de que algo estranho se aproximava.

O garoto de cabelo escuro ajudou o jovem magricela a se levantar agarrando com força a sua mão e usando o aperto entre os dedos para arrastá-lo pela trilha. Em silêncio e sem fôlego, correram de volta para a clareira, olhando quase no horizonte as copas se movendo.

Não demoraram para chegar e encontraram Chiano e Pólen de costas para eles e muito próximos um do outro, receosos e encolhidos. Não havia mais sinal do ser do topo das árvores. Apenas uma mulher velha com o rosto sujo e esfumado com uma espécie de pó preto, talvez carvão. Era dela que os outros dois tinham medo.

A mulher se esgueirava entre troncos de árvores na borda da clareira. Era estranhamente alta, magra e desengonçada, com braços e pernas finos e longos.

- Uma seresma - Breno sussurrou para si mesmo, também travado com a visão. Írios conseguiu ouvir e teve vontade de questionar do que ele estava falando, mas um frio tão compenetrante vinha de seu peito que não conseguiu verbalizar nada além de um murmúrio.

- Me dê - a tal da seresma resmungou para Pólen.

Sua voz rouca se projetava no ambiente como se falasse em um microfone conectado a caixas de som instaladas em todo o redor. Ela olhava direto para a garota com seus olhos brancos. Esticou o braço fino em sua direção, com a palma da mão pálida para cima, como quem quer receber algo. Os dedos longos e esguios estavam pintados com o que parecia ser sangue ressecado. A mulher se escorava no tronco como se não conseguisse manter de pé a estrutura do próprio corpo delgado.

- Me dê o menino - ela continuou.

Pelo gesto que Pólen fazia, Írios entendeu de qual menino a seresma se referia: a garota segurava com força a miniatura da urna de Eichler que estava pendurada no tiracolo, na parte de trás de sua cintura. A garota recuava com passos muito tímidos e lentos na intenção de não deixar seus movimentos serem notados pela mulher. Afastava a urna ainda mais para suas costas, fora do campo de visão da bruxa.

Breno e Írios tinham a vantagem de estarem fora do alcance do olhar da mulher, escondidos por Pólen e Chiano. O garoto de cabelo curto cutucou Írios e apontou para suas duas mochilas no chão, ao lado da fogueira em brasa. Elas estavam mais perto de Írios, que sacou o pedido do outro e já agachou-se devagar e cuidando para se manter oculto pelo corpo de Chiano. Puxou com o pé as mochilas pela alça.

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⏰ Última atualização: Sep 30 ⏰

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